terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Oposição no Egito: revolucionários se unem na revolta



El País
Yassin Musharbash 
No Cairo (Egito)


O Twitter e o Facebook podem estar bloqueados, mas isso não deteve os manifestantes. A oposição no Egito, composta de estudantes, sindicalistas, trabalhadores, poetas e políticos, tem muitas vertentes, mas é unida em seu objetivo: livrar o país do eterno governante, o presidente Hosni Mubarak.
Bilal só pode falar sussurrando. A princípio estava apenas rouco, depois a voz dele sumiu e agora mal pode falar. Mas isso não o impede de acompanhar com a boca os gritos dos manifestantes: “O povo quer o fim do sistema”, sem parar. “O povo quer o fim do sistema”.
E a cada dia que Bilal passa nas ruas, essa meta parece um pouco mais próxima. Bilal passou nas ruas de Cairo a maior parte dos últimos seis dias, vários deles na Praça da Libertação, envolto em um cobertor de lã diante de uma fogueira. Os manifestantes conquistaram a praça no centro da cidade na última sexta-feira (28/1), após uma batalha com a polícia –e não a deixaram mais.
Ela se tornou o coração de uma revolução que quer derrubar o presidente aparentemente eterno, Hosni Mubarak.
“Vamos bloquear o regime”
Bilal tornou-se um participante apaixonado da revolução. Sua família acha que ele está no trabalho, mas o chefe dele não se importa dele passar quase o tempo todo nas ruas. Afinal, Bilal, nativo do Cairo com 23 anos, é veterano do movimento de protesto egípcio contra Mubarak.
Em abril de 2008, a polícia prendeu os ativistas que haviam convocado uma greve geral. Poucos dias depois, o primeiro-ministro da época, Ahmed Nazif, fez um discurso na universidade de Bilal, que criou um mal estar, pedindo publicamente que soltasse os prisioneiros. Logo, Bilal tornou-se um convidado regular nos programas de televisão políticos do Egito –mas pagou um preço por sua insubordinação. A universidade só permitiu que se graduasse após um atraso significativo.
Bilal tem laços com vários partidos e movimentos de oposição, mas até agora evitou comprometer-se com apenas um deles. Ele tem sua própria página do Facebook, na qual se uniu aos chamados para as mais recentes manifestações –até que o governo desligou a Internet. O regime pode bloquear o Facebook e o Twitter, diz Bilal, “mas nós vamos bloquear o regime”.
O país está em um impasse há quase uma semana. Mais de 100 pessoas morreram, a maior parte como resultado da violência da polícia; o exército está nas ruas, e a oposição está buscando o poder –mas o presidente Mubarak não se mexe. Toda noite, rondam rumores que ele já fugiu, que vai mandar o exército atirar contra os manifestantes ou que o exército está preparando um golpe.
Bilal, de sua parte, tem certeza que o regime está prestes a cair e continua a se esforçar para mobilizar as pessoas para protestarem. Com a Internet desligada, ele recorreu ao boca a boca.
A Internet ajudou a mobilizar os manifestantes
O papel que o Facebook e de outros sites de rede social tiveram em gerar a revolta não deve ser subestimado. Há uma página de Facebook em memória ao blogueiro Khalid Said, morto pela polícia, com centenas de milhares de seguidores. Quando o anúncio do primeiro protesto no dia 25 de janeiro foi publicado na página, 70.000 pessoas disseram que iam participar. Isso foi importante, disse Bilal. Diferentemente de abril de 2008, os manifestantes podiam ter certeza que não estariam sozinhos. Somente grandes números poderiam oferecer uma medida de proteção contra a brutalidade da polícia. Ao menos 30.000 pessoas apareceram.
“Agora, estamos em uma fase diferente”, diz Bilal. “As pessoas estão aparecendo sem serem chamadas. Todo mundo sabe que vamos continuar até Mubarak cair”.
A Praça da Libertação virou uma colmeia. Uma mulher de cerca de 35 anos, com um véu e um vestido vermelho, está sentada em um muro. Ela passa a mão pelos cabelos do filho, deitado em seu colo, dormindo. Alguns ativistas estão limpando o lixo da noite anterior. “Somos civilizados”, dizem. Um homem com uma atadura no rosto quer narrar sua história. Outro conta como as pessoas foram mortas quando a polícia abriu fogo diante do Ministério do Interior. Aqui e ali na praça, formam-se pequenos grupos, concordam com um grito de batalha e depois fazem marchas por ali entoando-o. Quando a noite se aproxima, a multidão cresce e, no pôr do sol, há dezenas de milhares de pessoas, como nas noites anteriores.
Bilal acena e cumprimenta as pessoas. Ele fez muitos novos amigos nos últimos dias. Há grupos de manifestantes que apóiam Mohammed ElBaradei, opositor de Mubarak. Em outros locais, há seguidores do movimento de 6 de abril. Bilal ri: “É como o Facebook –mas analógico.”
Movimento multifacetado
A geração Facebook está no centro do levante, mas o movimento está sendo alimentado por muitas outras vertentes, uma delas originada a poucos quilômetros da Praça da Libertação, no quinto andar de um prédio velho e mal cuidado, no escritório com paredes de madeira do intelectual e líder da oposição Abd al-Rahman Yusuf.
Yusuf, 40, é um homem bonito. Ele está vestindo um casaco preto e está mascando pastilha para a garganta. Ele também está rouco. Ele tem uma enorme mesa com tampo de couro de crocodilo de imitação.
O cartão de negócios de Yusuf diz que ele é poeta, e o YouTube tem vídeos dele recitando seu trabalho. Ele não mede palavras para falar de Mubarak. Até dezembro, ele foi uma espécie de porta-voz do movimento de ElBaradei. Agora, ele é um membro comum, apesar do alto perfil. Ele falou na Praça da Libertação antes de ElBaradei chegar de Viena, na última quinta-feira.
Yusuf faz parte de uma vertente ligeiramente diferente do movimento revolucionário de Bilal. Pode-se dizer que é um representante da sociedade civil. É um grupo heterogêneo, mas um pouco mais organizado que os “Facebookeiros” e inclui partidos políticos e sindicatos. O público de Yufuf é menos espontâneo, menos baseado no Internet, mais velho. Isso não quer dizer que Yusuf não use a Internet. Ele também trabalha principalmente on-line. Seus emails chegam a dezenas de milhares de pessoas. Seu último dizia: “Para o povo egípcio, conclamo-os a participarem das manifestações. A hora da verdade chegou.” Mas agora ele também está off-line, como todo o país.
A hora da verdade: Yusuf também acredita que a revolução está próxima de atingir seu objetivo. “Mubarak”, diz ele, “tem dias, semanas, no máximo”.
ElBaradei emerge como figura central
Yusuf é movido por sua crença que o povo deve determinar o destino do país, e não ser colocado de lado, como faz Mubarak. “O poder sem controle inspira o pior das pessoas”, diz ele.
Um amigo traz um chá de ervas, que Yusuf toma. Ele sabe muito bem que nem todo egípcio está nas ruas ajudando a derrubar Mubarak, e que a maioria dos manifestantes tem menos de 35 anos de idade. E ele sabe que nem todos os manifestantes querem a mesma coisa. “Mas isso é natural. Há os de direita e os de esquerda, o que é importante é que quebramos as correntes do medo e estamos estabelecendo nossas próprias regras.”
Na noite de domingo, ElBaradei fez seu primeiro discurso por poder. Ele disse que queria formar um governo de união nacional, com a Fraternidade Muçulmana, após conversar com o exército. Yusuf estava ao lado dele na Praça da Libertação. Pouco depois, os primeiros gritos de “ElBaradei” foram ouvidos. Mas nem todos acharam inspirador o discurso do prêmio Nobel da paz.
Ainda assim, ElBaradei é hoje a figura central na oposição, e ativistas como Bilal não se oporiam em tê-lo como líder nas negociações –desde que não aceite um trato fraco. Contudo, não se sabe de forma alguma se essas conversas acontecerão. Mubarak teria que sair voluntariamente, ou ser forçado a sair.
Ativistas continuam cuidadosos
Os manifestantes estão animados. É verdade que se livraram do medo. Com efeito, já conseguiram total liberdade de reunião na ditadura de Mubarak.
Entretanto, ainda há um temor com uma volta do pêndulo. Assim, alguns ativistas querem manter suas organizações clandestinas. “Temos um pequeno escritório no Cairo”, diz uma ativista. Somente algumas pessoas sabem sua localização, diz ela. O escritório é usado para manter contato com ativistas em outras cidades egípcias, onde a situação é mais tensa. Estão organizados em grupos de seis, cujos líderes mantêm contato com outros grupos.
Agora toda a oposição está pedindo um novo comício de massa na terça-feira e espera levar um milhão de pessoas para as ruas. Abd al-Rahman Yusuf, Bilal Diab e a ativista que não quis dar o nome estarão lá. E esperam que o poder do povo finalmente derrube Mubarak.

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