Por João Bosco Rabello
O Supemo Tribunal Federal não esteve à altura da questão histórica que lhe foi posta pelo jornal O Estado de S.Paulo, ao reivindicar o fim da censura a que está submetido há 133 dias por uma comprometida decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal em favor (e que favor!) do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney.
STF optou por vestir com argumento técnico e formal uma posição ideológica que sua divisão interna não consegue esconder. Foto: Dida Sampaio
Salvo três de seus ministros – Cármem Lúcia, Carlos Ayres Britto e Celso de Mello -, o STF optou por vestir com argumento técnico e formal uma posição ideológica que sua divisão interna não consegue esconder. E que a maioria do tribunal preferiu não enfrentar, tal o constrangimento que causa a defesa da censura prévia.
Não tem outro nome o que o STF decidiu ontem, sob o pretexto do cumprimento literal das regras processuais. Se essa fosse a convicção e a intenção, não faria sentido o longo debate a que se entregaram seus ministros, no curso do qual opinaram abertamente sobre aquilo que oficialmente recusaram: o julgamento do mérito.
O relator, César Peluso, Ellen Gracie, Eros Grau, José Toffoli, Ricardo Lewandovski e o presidente da Corte, Gilmar Mendes, fizeram juízo sobre o mérito, mas negaram isso. Mendes foi explícito ao declarar que a decisão do desembargador Dácio Vieira, considerado impedido pelo próprio tribunal a que pertence, preserva a honra e a intimidade do reclamente. No que foi seguido pelos já citados.
Mais que isso, de forma imprópria e inadequada, Mendes comparou o caso ao da escola-base de São Paulo, quando a imprensa, municiada pela polícia, absorveu a informação de que a direção da escola era acusada de assédio sexual aos alunos. O que mais tarde se provou um erro.
Em nada, o caso em questão se aproxima daquele. O Estadão, após apuração própria de seus repórteres, publicou denúncias graves e comprovadas relativas a tráfico de influência e outros delitos por parte de Fernando Sarney, com a cobertura do pai, José Sarney. Esses levantamentos foram reforçados, em matéria bem posterior, pela publicação de gravações telefônicas autorizadas pela Justiça, que apenas tornavam as denúncias do jornal irreversíveis.
Nada havia no que foi publicado lesivo à intimidade, honra ou privacidade da família Sarney, a não ser pela possibilidade remota de que o comportamento de alguns de seus integrantes, de inequívoco prejuízo ao interesse do contribuinte, remotamente os incomode. E a menos que a prática de nepotismo, tráfico de influência, ocupações de estruturas públicas para benefício pessoal sejam, daqui em diante, classificados de invasão de privacidade. Trata-se, isso sim, de grupo privado invadindo a esfera pública.
Alegam os juízes que pensam diferente, mas que não assumiram essa posição, disfarçando-a sobre o manto da tecnicidade, que o material estava sob segredo de justiça. Sim, mas do qual o Judiciário e o Estado são os guardiães. O que não é aceito por grande parte do Poder Judiciário. O papel do jornalista é denunciar o que está errado em benefício da sociedade. É, pois, guardião desses interesses e não daquilo que está sob a guarda do Estado.
O interesse público, o sigilo da fonte jornalística e a proibição de veto prévio, estão explícitos na Constituição. Por isso mesmo, uma vez extinta a Lei de Imprensa, o ministro Ayres Britto redigiu um acórdão em que remete à Constituição seus subprodutos, como o direito de resposta, indenizações e o arsenal punitivo ao veículo que publicar notícias infundadas que violem os direitos de seus alvos. O processo é, portanto, pós e não pré.
Esse acórdão foi redigido e publicado, emergiu da sessão histórica que derrubou a Lei de Imprensa, como dela resultante, mas dividiu internamente os ministros. Abriu-se uma guerra interna por causa disso, na qual o seu autor, ministro Ayres Britto, purgou a hostilidade dos que ontem votaram contra a ação do jornal. Alegaram erro técnico dos advogados do jornal. Mas esses se guiaram pelo acórdão que foi publicado no Diário da Justiça. Diz ele: “Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário”.LEIA A INTEGRA AQUI
Blog João Bosco Rabello do estadão.com.br
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