Em meados da década de 70, o slogan publicitário “gosto de levar vantagem em tudo” liquidou com a reputação de Gérson, brilhante canhotinha de ouro e meia-armador da seleção brasileira. O erro fatal do anúncio dos cigarros Vila Rica era o de vangloriar a malandragem. Vista hoje, a frase soa quase ingênua, incapaz de produzir qualquer efeito, muito menos indignação. Até porque a malandragem virou regra. Tem seu código próprio. Na política, então, as transgressões parecem não causar espanto algum.
Vale tudo. Infringir, burlar, trapacear e desonrar toda sorte de leis, menos a lei de Gérson.
Na Câmara dos Deputados e no Senado, casas responsáveis por fazer as leis, raro é o dia em que elas não são dribladas. Em nome de se tirar vantagens, acumulam-se mensalões, venda de votos, contratações irregulares, atos secretos, nepotismo e outros tantos malfeitos. Além de espertezas diversas, como artifícios sutis, mas não menos graves, a exemplo da mudança na redação final do projeto Ficha Limpa, que pode até inviabilizá-lo.
As violações estão em todos os cantos. E parecem se multiplicar em anos eleitorais.
Vilipendiada cotidianamente, a lei eleitoral é quase uma peça de ficção. Os instrumentos de punição para quem a fere são tão chinfrins que acabam por estimular o crime.
Do reincidente presidente Lula, quatro vezes multado pela Justiça Eleitoral por campanha antecipada, à sua candidata Dilma Rousseff, com outras duas multas, todos pecam. E auferem lucros com os seus pecados. Nem mesmo se prestam à confissão, já que a penitência é simbólica, menor que as dez Ave-Marias de praxe.
Petistas e democratas já se enlamearam. E pelo andar da carruagem, todos os partidos e candidatos vão entrar nessa.
Se o PT se lixou para as punições que recebeu e acintosamente insistiu em desrespeitar a lei em seu programa partidário, o DEM não se fez de rogado. No programa veiculado na última quinta-feira a estrela máxima foi o candidato tucano José Serra. Certamente o DEM o fez com risco medido de, no máximo, assim como o PT, ter seu horário gratuito suspenso em 2011. Custo muitíssimo baixo.
Serra também não sai ileso. Poderá sempre alegar, como já o fez, que não teve participação direta e intencional no programa dos democratas. Pressionado pelo êxito de Dilma depois de suas sucessivas transgressões, o DEM também decidiu chutar a lei. Na TV, editou o discurso de lançamento da pré-candidatura de Serra para fazer campanha deslavada. Um truque, uma artimanha.
A lei pode até não prever punição para casos assim. Difícil é crer que o partido aliado tenha usado esse ardil sem o consentimento e o aval do candidato tucano.
Mas não haverá perdão se o programa do PPS, que vai ao ar no próximo dia 10, lançar mão do mesmo artifício. A conveniência dita ainda que o PSDB, em seu programa no final de junho, nem de longe pense em tramóia semelhante, sob pena de ter de se ajoelhar no milho diante do país.
Até mesmo a aura puritana de Marina Silva se quebrou. Sua equipe tratou de tapar o nome da candidata nas placas e cartazes no ato de lançamento da candidatura do verde Fernando Gabeira ao governo do Rio. Mal cobertas com fitas adesivas transparentes, em todas elas lia-se o nome de Marina. Pode não ser, mas que parece malandragem pura, parece.
Todos fingem que não sabem. Mas leis - goste-se delas ou não - são feitas para serem cumpridas. São normas que visam ao bem comum. Quem as desrespeita agride a coletividade. Se elas são inadequadas ou estão ultrapassadas, cabe ao Legislativo mudá-las. A não ser que se prefira premiar a lei de Gerson, mandar a ética às favas e perpetuar a desordem geral.
Mary Zaidan é jornalista. Trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa'.
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