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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Economia sem política?

Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo

Os 190 milhões de técnicos de futebol domiciliados no Brasil são apaixonados também por economia e negócios, a julgar pela campanha eleitoral. Darão alguma importância a assuntos como democracia, instituições e liberdade? Quase nenhuma, devem pensar os candidatos à Presidência da República. Todo dia eles tiram de seu baú de campanha maravilhosas promessas de crescimento econômico, reforma tributária, austeridade fiscal, controle da inflação, atenção aos pobres e muito investimento para a eliminação de gargalos. Até a autonomia do Banco Central virou assunto dos aspirantes à sucessão. Todas essas questões são importantes, mas nenhum projeto ambicioso será realizado apenas pela iniciativa presidencial, seja quem for o vencedor ou vencedora da disputa. O cumprimento das promessas dependerá em boa parte das alianças de campanha. Haverá um custo elevado em cada votação relevante, projetos poderão ser desfigurados e em menos de um ano quem estiver no Palácio do Planalto terá motivos para amaldiçoar a pior das heranças ? o sistema eleitoral e partidário sempre criticado e nunca reformado.

No atual sistema, os políticos aliados são sócios do governo quando se trata de partilhar as vantagens do poder, como postos de confiança na administração direta e na indireta, dinheiro para bases eleitorais e prioridade na liberação de verbas para emendas. Mas não partilham a responsabilidade pela gestão das finanças públicas, nem pela aprovação de reformas importantes, mas politicamente difíceis. Há um fosso entre os melhores objetivos do governo e os interesses dos governistas.

Ainda ontem a nova chefe da Casa Civil, ministra Erenice Guerra, defendeu a extinção do fator previdenciário, aprovada há duas semanas pelo Congresso Nacional. Seus colegas da área econômica têm aconselhado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a também vetar o aumento de 7,7% para aposentadorias e pensões superiores a um salário mínimo. Nenhuma das decisões é politicamente fácil. O presidente foi posto numa sinuca não pela oposição, mas por seus aliados na Câmara e no Senado. Se quisessem, teriam aprovado a proposta original do Executivo, mas preferiram criar mais problemas para quem administra as contas públicas. Um dos mais ativos nesse jogo, o deputado e sindicalista Paulo Pereira da Silva, foi o autor da emenda dos 7,7% e é um dos principais aliados e cabos eleitorais da candidata Dilma Rousseff.

Ao avaliar as promessas de cada candidato, convém acrescentar ao cálculo um coeficiente de perda correspondente ao custo das alianças e à dificuldade de formação de maiorias. Nenhum concorrente está livre desse problema. Só há alguma diferença porque certos apoios são mais caros e menos certos.

Segundo a ex-ministra Dilma Rousseff, a reforma das reformas é a tributária. De fato, poucas são tão importantes para o futuro da economia. Mas essa e outras mudanças seriam mais fáceis e muito menos custosas se as coalizões de governo fossem mais simples, mais claras e mais confiáveis do que têm sido no Brasil. A modernização do sistema tributário está na pauta há duas décadas. A demora é explicada em parte pela hesitação dos governos. Mas, além disso, nunca houve suficiente compromisso dos partidos com um projeto bem elaborado e ambicioso.

Uma boa reforma política é a verdadeira reforma das reformas. Sem isso, será inútil pensar em reais compromissos partidários com programas e ações de governo. Nesse caso, adotar o orçamento impositivo será uma imprudência, porque só o Executivo será responsável, como tem sido, pela gestão do dinheiro público.

Enquanto não sair a reforma política, o novo governo dará uma boa contribuição se conservar as atuais bases da democracia. Uma agenda mínima de preservação democrática envolverá os seguintes cuidados: 1) evitar o empreguismo e o loteamento de cargos entre partidos; 2) revalorizar as agências de regulação e favorecer sua autonomia operacional; 3) resistir à tentação de centralizar as decisões econômicas e de intervir na gestão das grandes empresas privatizadas; 4) renunciar à cooptação de sindicatos, entidades estudantis e movimentos sociais para formação de bases pelegas e até de milícias; e 5) respeitar a liberdade dos meios de comunicação. O País será muito melhor sem comitês de censura sob quaisquer disfarces. A candidata Dilma Rousseff prometeu aprofundar a democracia "com liberdade de expressão e de imprensa". As tentativas do atual governo ? incluído o chamado Decreto dos Direitos Humanos ? foram sempre na direção do controle. Melhor evitar esse "aprofundamento".

É JORNALISTA

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