sábado, 19 de junho de 2010

''Origem emergente pode ser vantagem'' -

Fernando Scheller - O Estado de S.Paulo

No novo modelo do desenvolvimento mundial, ter origem em uma economia imperfeita virou vantagem competitiva para grandes empresas. Com as oportunidades mais concentradas em nações em desenvolvimento, o especialista em mercados emergentes Tarun Khanna, professor da Harvard Business School, afirma que a flexibilidade se tornará ferramenta vital nos negócios internacionais nos próximos anos - um cenário em que Índia, China e Brasil largam na frente.

Empresários de mercados em desenvolvimento, explica o professor, estão acostumados a dificuldades regulatórias e econômicas em suas operações. Por isso, têm mais chances de adaptação em países com problemas semelhantes. Khanna, que conversou com o Estado por telefone, virá ao País na próxima semana lançar o livro Bilhões de Empreendedores (Campus Elsevier). Leia trechos da entrevista:

Seu livro traz exemplos de que nem sempre é fácil fazer negócio em um novo mercado. As empresas já entendem o que o consumidor de um país emergente quer?

Há vários exemplos de companhias globais que estão buscando os mercados em desenvolvimento. Mas nem sempre essa transição é fácil. Tome-se o exemplo da varejista alemã Metro (uma das maiores empresas do mundo no setor, dona de marcas Saturn, Kaufhof e Media Markt, famosas na Europa). A empresa enfrentou sérias dificuldades para se estabelecer na Índia e na China, mesmo depois de 30 anos de sucesso na Europa e na Rússia, pois não sabia como agir nesses mercados. Levou anos para entender. O negócio teve problemas para se acostumar a um ambiente diferente e foi preciso alterar as regras de operação, pois inicialmente elas não funcionaram. Aos poucos, a empresa aprendeu. Agora, o grupo Metro aplica as lições aprendidas nesses mercados também em sua matriz, em Düsseldorf.

Países como China, Índia e Brasil entendem melhor outros mercados emergentes?

A China e a Índia estão investindo muito na África, e o Brasil está naturalmente interessado nisso também. Uma grande companhia telefônica indiana, a Bharti, acabou de investir US$ 10,7 bilhões na compra dos ativos da Zain, de Dubai. As empresas que vêm do Hemisfério Sul estão mais bem equipadas para atuar em outros mercados em desenvolvimento. Quem tem mais subsídios para atuar no mercado africano? A Bharti ou a Telefónica (espanhola) ou a Vodafone (britânica)? Eu acho que é a indiana, já acostumada com a pressão de entregar um produto a um preço muito baixo.

O Brasil já se enquadra nesse cenário de forte investimento internacional?

Sim. Um exemplo é a Cosan. O setor de açúcar e álcool passou por consolidação, e a empresa emergiu como a maior do mundo. Conseguiu integrar diferentes operações - da produção à operação -, chegou ao mercado financeiro e abriu o capital. Está envolvida na produção de açúcar no mundo inteiro, incluindo a Índia. Vamos ver cada vez mais negócios entre países do Hemisfério Sul. Há alguns anos, criar uma empresa de US$ 1 bilhão em vendas exigia contatos em Nova York ou Londres, passar pelo mercado financeiro, conhecer as pessoas certas para conseguir dinheiro. Hoje, isso não é mais verdade. É possível construir um grande negócio entre São Paulo e Pequim ou Mumbai e Dubai. As possibilidades são ilimitadas.

Os investimentos chineses devem continuar fortes no Brasil?

Não vejo razão para isso mudar. Só que a China tem de saber fazer as coisas para não ofender a população local. Na África, a China teve problemas porque levou trabalhadores chineses para locais onde a população precisava de emprego. Em outros casos, eles foram úteis ao trazer investimentos e infraestrutura.

China, Brasil e Índia são muito diferentes no que se refere à intervenção do governo na economia. Isso afeta os investidores?

Analisemos os problemas que o Google enfrentou com a informação na China: as companhias que prosperaram em território chinês tiveram de formar uma relação com o Estado. É algo muito enraizado na cultura. Na Índia, é o contrário: se você quiser fazer um negócio sério, o melhor é ficar longe do governo. É necessário ter habilidade para atuar nesses mercados, saber onde se pisa. E isso depende do ambiente em que o negócio foi inicialmente criado.

No Brasil, o mercado interno está se tornando mais importante na economia. Como isso acontece na China e na Índia?

Vejo Índia e China como polos opostos. Há uma democracia na Índia e um governo de partido único na China. Na China, o investidor internacional é favorecido, enquanto na Índia a prioridade são os locais. Você pode ter muito mais sucesso como investidor multinacional na China (do que na Índia). Acho que o Brasil está no meio desses dois modelos, algo positivo no longo prazo. A China enfrenta dificuldade pra se transformar de mercado exportador em consumidor. E, para o bem do mundo todo, é bom que eles consigam fazer isso.

O desenvolvimento de negócios nos países emergentes já se reflete na redução da pobreza?

Varia de acordo com cada país, mas diria que sim. A participação mais agressiva do setor privado em projetos que envolvam a sociedade de maneira mais abrangente me deixa esperançoso. Na Índia, é possível identificar projetos que servem os mais pobres, geram emprego e incluem gente nova no mercado de consumo. Faz parte do processo de trazer 3 bilhões de pessoas à economia formal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário