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terça-feira, 3 de agosto de 2010

A CLT se complica mais - José Pastore

José Pastore
no O Estado de S. Paulo


O Brasil ostenta posições de destaque em várias áreas em que deveríamos ser os últimos. Somos campeões mundiais de juros reais, de carga tributária, de homicídios e de mau ensino.


Não pode ficar fora dessa lista o nosso recorde de ações trabalhistas. Correm nos tribunais, anualmente, mais de 2 milhões de processos.

Em interessante editorial, este jornal destacou que o congestionamento da Justiça do Trabalho não pode ser aliviado por causa da impossibilidade de os magistrados tratarem de modo simples uma legislação que é extremamente complexa (O TST e os "filtros" processuais, Estado, 26/7/2010).

Ou seja, os juízes querem modernizar, mas o sistema os impede. Isso porque, há muito tempo, o Brasil optou por um modelo trabalhista no qual a maioria das regras de contratação e gestão é definida por atos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e não por livre negociação, como ocorre nos países avançados. Nestes, quase tudo é fixado em contratos coletivos que preveem, inclusive, mecanismos expeditos de solução de conflitos - autocomposição, conciliação, mediação e arbitragem.

No Brasil as leis deixaram para a negociação apenas dois direitos: o salário e a participação nos lucros ou resultados. Todos os demais são regidos por 67 dispositivos constitucionais, 922 artigos da própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), 295 súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), 145 do Supremo Tribunal Federal, 119 precedentes normativos, 28 orientações normativas do TST e vários outros. Há ainda 193 artigos do Código Civil que se aplicam ao caso do trabalho, as regras da Previdência Social, as normas de saúde e segurança e milhares de decretos, portarias, instruções normativas, etc.

O cipoal de detalhes é colossal. Alguns chegam a ser pitorescos, para não dizer ridículos. O artigo 73 da CLT, por exemplo, diz que a hora noturna do Brasil não tem 60 minutos, e sim 52 minutos e 30 segundos!

Como todas as regras são oriundas dos poderes públicos, é claro que as infrações têm de ser levadas aos tribunais de Justiça. O congestionamento decorre, portanto, da profusão de regras minuciosas que dependem de leis, e não de negociação.

O leitor pode pensar que isso é coisa do passado e que o Brasil de hoje está indo por outro caminho. Ledo engano. A maior parte das propostas que tramitam no Congresso Nacional cai exatamente na área trabalhista - são mais de mil projetos de lei, a maioria prometendo benesses inexequíveis.

Grande parte de nossa população continua acreditando que, colocados na lei, os direitos são automaticamente garantidos e os trabalhadores, adequadamente protegidos. Se assim fosse, não teríamos 50% dos brasileiros trabalhando na informalidade, sem nenhuma proteção trabalhista ou previdenciária. Mas entre nós essa crença está muito arraigada - é parte da nossa herança cultural. Os parlamentares sabem disso, razão pela qual criam projetos de lei aos borbotões, cuja finalidade principal é agradar aos eleitores desavisados e conquistar o seu apoio.

O que dá mais voto são os projetos de lei que prometem menos trabalho e mais remuneração. Há dezenas de iniciativas que criam novas licenças, mais adicionais e novas gratificações - além de ampliarem as atuais. Todos somados, esses projetos, se aprovados, levariam a jornada de trabalho a zero e a remuneração, ao infinito.

É com base nesse tipo de promessa que as leis trabalhistas vão se tornando mais complexas e menos realistas. Neste campo, o Brasil de hoje é bastante parecido com o Brasil de ontem, ou até pior. Com o atual arcabouço institucional e com o populismo reinante, só se pode esperar mais desentendimentos e mais ações judiciais. Aliás, advogados "que se prezam" costumam ter prontas no seu computador petições iniciais quilométricas que incluem tudo o que pode ser objeto de demanda em favor de seus clientes e de seus honorários. Haja juízes e tribunais para dirimir os conflitos que disso decorrem.

PROFESSOR DE RELAÇÕES DO TRABALHO DA FEA-USP

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