terça-feira, 23 de novembro de 2010

Editorial Folha de São Paulo - Abstenção pró-Irã


Ao abster-se na votação de uma resolução das Nações Unidas contra as violações dos direitos humanos no Irã, aprovada na última sexta-feira, a diplomacia do governo Lula manteve-se coerente com sua política de confrontação com os Estados Unidos.
Se os norte-americanos manobram contra moções que firam seus aliados, então os brasileiros recusam-se a votar reprimendas a adversários da grande potência, mesmo que sentenciem mulheres a morrer apedrejadas ou se envolvam em campanhas genocidas.
O Brasil deve assumir atitude altiva em suas relações com os EUA, mas já são suficientes os contenciosos com aquela nação para que se amplie desnecessariamente as frentes de conflito.
Ao justificar a abstenção na resolução sobre o Irã, o representante brasileiro queixou-se de que os direitos humanos são tratados na ONU de forma "seletiva e politizada". São termos, aliás, que definem bem a atual política do Itamaraty, em contraste com a melhor tradição brasileira.
O governo Lula condenou, por exemplo, "de forma veemente" o golpe hondurenho. Interveio nos assuntos internos, cedendo a embaixada para a volta do presidente banido e, num extremo de intransigência, ainda recusa-se a aceitar o resultado da eleição que, goste ou não, superou o impasse.
Ao mesmo tempo, evitou manifestar-se sobre os conflitos no Irã, onde divergências políticas foram -e continuam sendo- tratadas com prisões, mortes e expurgos.
No ano passado, o ditador do Sudão, Omar al Bashir, já havia dito que tinha o "apoio do presidente Lula". O Brasil se eximira de condenar o governo sudanês por sua responsabilidade na campanha de "limpeza étnica" que chegou ao auge em 2004 e custou a vida de milhares de pessoas.
Incongruências dessa espécie só servem para minar a credibilidade de nossa diplomacia.
A política externa deve ser um instrumento de defesa dos interesses econômicos do país, colocando-se a favor da resolução negociada e pacífica de conflitos e de princípios como direitos humanos e autodeterminação.
No caso do Irã, não havia laços comerciais relevantes a atenuar a abstenção -que, dado o histórico recente, ganhou sabor de um renovado apoio ao governo de Mahmoud Ahmadinejad.

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