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terça-feira, 16 de novembro de 2010

US$ 300 bi de reservas, muito ou pouco?



Antonio C. de Lacerda - O Estado de S.Paulo
A estratégia brasileira de acumular reservas cambiais, que devem logo chegar a US$ 300 bilhões, tem gerado questionamentos, especialmente pelo custo fiscal que representa. Na medida em que o Banco Central (BC) compra os dólares no mercado, ao mesmo tempo emite títulos da dívida pública em reais, uma operação que só no ano passado representou um custo fiscal de quase R$ 40 bilhões.
Esse custo decorre do fato de que os juros praticados internamente, com a Selic a 10,75%, são infinitamente maiores que a receita gerada com a aplicação das reservas no mercado internacional, em grande parte em títulos do governo norte-americano, que rendem muito pouco. Analogamente à nossa vida cotidiana, seria quase como se financiar no cartão de crédito, ou no cheque especial, para aplicar na caderneta de poupança. É uma boa analogia com princípios de economia doméstica, mas nem sempre válidos para a macroeconomia.
É muito importante tornar claro para a sociedade o custo de carregamento das reservas cambiais. Mas mais importante ainda, e de difícil mensuração, é expressar o seu benefício. Nos momentos em que o Brasil foi surpreendido por crises vindas de fora e estava vulnerável nas suas contas externas, isso implicou a desvalorização cambial, o que nos exigiu medidas contracionistas, como juros mais elevados, restrição de crédito e de investimentos públicos. A consequência foi sempre conviver com impactos negativos sobre o desempenho do nível de atividade, emprego, renda e, ainda, queda na arrecadação de tributos.
Outro custo de não manter reservas seria a elevação dos juros pagos internacionalmente pelo País e pelas empresas. Aqui, contrariando a ressalva feita anteriormente, vale a analogia com o comportamento de gerentes de bancos, que nos oferecem crédito quando temos um bom saldo de aplicações, mas dificilmente o fazem quando estamos com o saldo negativo na conta corrente.
Ou seja, manter reservas representa um custo, mas não tê-las pode significar um custo não só econômico, mas também social elevadíssimo, pois o País fica mais vulnerável à volatilidade dos fluxos de capitais internacionais e perde autonomia nas suas políticas econômicas domésticas, geralmente implicando interromper o crescimento, com todas as sequelas derivadas disso.
Todos os países não emissores de moedas conversíveis internacionalmente incorrem no custo de carregamento das suas reservas, mas em geral não abrem mão de contar com elas. Uma outra discussão importante é qual seria o nível ideal de reservas a serem mantidas. As reservas dos países cresceram substancialmente no último decênio, de US$ 1 trilhão, no final da década de 1990, para quase US$ 8 trilhões, em 2008. O grande destaque tem sido a China, que já acumula US$ 2,5 trilhões, seguida pelo Japão, com US$ 1 trilhão, e pela Rússia, com quase US$ 500 bilhões. Vistas isoladamente, as reservas brasileiras parecem muito - principalmente tendo em vista níveis do passado. Porém, proporcionalmente ao Produto Interno Bruto (PIB), nossas reservas representam menos de 18%, padrão baixo, considerando outros países emergentes. A China, ponto fora da curva, tem 50%; a Rússia, 39%; a Coreia do Sul, 34%; e a Índia, 22%.
Se é inexorável acumular reservas, e elas são necessárias, o que temos de fazer mesmo é diminuir o custo de tê-las. Para isso, três frentes de ação são factíveis. A primeira e mais óbvia é diminuir os juros domésticos para aproximá-los da média internacional, o que representaria uma significativa redução de custos. No caso, parece bem claro que não são nossas reservas que são exageradas, mas o nível da taxa de juros interna. A segunda providência é operacionalizar o Fundo Soberano para reter externamente uma parcela dos dólares, evitando que seja necessário emitir títulos públicos em reais. A terceira, aproveitar o próprio Fundo Soberano para diversificar as aplicações das reservas visando a aumentar a sua rentabilidade.
ECONOMISTA, DOUTOR PELO IE/UNICAMP, PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-SP, É COAUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE "ECONOMIA BRASILEIRA" (SARAIVA).

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