Governo se opõe à criação de diretrizes globais para o controle do fluxo de capitais estrangeiros em cada país e ao limite para acúmulo de reservas
Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
O Brasil não aceitará no encontro de ministros de Economia e presidentes de bancos centrais do G-20 (dos 20 países mais influentes do mundo), cujo início oficial acontece hoje, em Paris, a criação de diretrizes globais para o controle do fluxo de capital externo. O Brasil também não aceita limites para o acúmulo de reservas internacionais.
Os dois temas são vistos pelos negociadores brasileiros como aqueles com maior potencial de atrito entre países desenvolvidos e emergentes. Se o veto brasileiro às propostas persistir, os dois temas não devem ser objeto de acordo na cúpula do G-20, em novembro, em Cannes.
Manual. As posições do Brasil foram confirmadas por fontes envolvidas nas negociações. No que diz respeito ao fluxo de capitais, o País só aceita a criação de uma espécie de manual em que constem os exemplos de políticas nacionais. No caso do Brasil, seria incluído o exemplo da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), elevada de 2% para 4% em novembro de 2010, que incide sobre investimentos estrangeiros em renda fixa e ações. Esse compêndio não teria caráter coercitivo.
Em suas propostas para o G-20, a França defende a "melhor regulação dos fluxos de capitais" - na prática, um enquadramento ou eliminação das ações implementadas. Na segunda-feira, a ministra da Economia da França, Christine Lagarde, insinuou que as medidas de controle do fluxo de capitais, usadas também na Ásia, são protecionistas. "Países como o Brasil e a Coreia do Sul implantaram barreiras ou obrigações para limitar os fluxos de capital internacional. É preciso questionar a natureza dessas obrigações."
Ontem, Luiz Pereira da Silva, diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, classificou a adoção do IOF de medida macroprudencial, recusando o rótulo de protecionismo. "A nossa proposta é, em vez de tentar focalizar em uma cartilha ou em uma espécie de "guide lines" (diretrizes), compartilharmos, através de uma lista mais exaustiva, de todas as experiências internacionais, tudo o que os outros países estão fazendo para esse tipo de administração."
"Se você quiser enquadrar isso numa espécie de receituário pronto, pode eliminar graus de liberdade necessários para os países conduzirem suas políticas em razão do que eles estão observando no contexto de suas economias", disse ele.
Outro negociador vindo de Brasília confirmou a falta de disposição para negociar regras para o controle de fluxos de capital. "O Brasil está passando por uma experiência nova e usando ferramentas novas. Não faz sentido pular direto para "guide lines"."
Além disso, o governo brasileiro também não aceita que políticas de controle de fluxos de capital passem a ser fiscalizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), como propôs Lagarde.
"Não é uma atitude desejável porque no fundo vai acabar tentando colocar uma espécie de selo de aprovação para o país", disse Pereira. "Sinalizar de uma maneira muito específica quais devam ser os procedimentos tira a discricionariedade da política econômica dos países, que é um elemento importante para gerenciar esses fluxos."
Reservas. Sobre o acúmulo de reservas internacionais, o Brasil também descartou a criação de qualquer tipo de limite para os emergentes. "Essa é uma questão muito delicada. Não adianta querer colocar um número mágico", avalia o executivo do BC. Sobre volume das reservas brasileiras, de US$ 300 bilhões - ou 13% do PIB -, Pereira disse que é "um nível adequado".
As posições rígidas do Brasil, claro, não significam um rompimento com os demais parceiros do G-20 nas negociações em Paris. Os negociadores reiteram que se mantêm abertos às discussões, e que a reunião de hoje e amanhã é só o início de um processo que chegará ao auge na cúpula de Cannes, em novembro.
"Estamos definindo o campo de jogo. O resultado no fim do ano ainda está muito aberto", ponderou um dos negociadores. Porém, como o G-20 é um fórum de decisões consensuais, o eventual bloqueio do Brasil - se confirmado - impedirá que as duas propostas sejam adotadas na cúpula de novembro.
PARA ENTENDER
O G-20 é o grupo dos países mais ricos e tornou-se o fórum preferencial para discussão das questões relativas ao sistema financeiro internacional, reuninco 85% do PIB global. O G-20 ministerial é uma reunião de ministros da Economia e presidentes de bancos centrais, preparatório para a cúpula do G-20, em novembro. Neste ano, haverá mais duas reuniões: em Washington, em abril, e em outubro, de novo em Paris. Entre os temas mais controversos em discussão hoje e amanhã estão os critérios para definir "desequilíbrio macroeconômico"; guerra fiscal (em especial a flutuação do yuan); regulação do mercado de commodities; controle do fluxo de capitais: e o limite para acumulação de reservas.
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