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terça-feira, 19 de abril de 2011

Comentário: Vamos deixar de ser civilizados - Paul Krugman no New York Times





Na semana passada, o presidente Barack Obama ofereceu uma defesa vigorosa dos valores de seu partido –na prática, o legado do New Deal e da Grande Sociedade. Imediatamente depois, como sempre acontece quando os democratas se posicionam, a polícia da civilidade saiu com toda a força. O presidente, ela nos dizia, estava sendo partidário demais; ele precisa tratar seus oponentes com respeito; ele deve almoçar com eles e buscar um consenso.
Essa é uma má ideia. Igualmente importante, é uma ideia nada democrática.
Vamos rever a história até aqui.
Há duas semanas, os republicanos da Câmara divulgaram sua grande proposta orçamentária, a vendendo a especialistas crédulos como uma declaração de necessidade, não de ideologia –um documento dizendo aos Estados Unidos o que precisa ser feito.
Mas era, na verdade, um documento profundamente partidário, o que podia ser deduzido a partir da frase inicial: “Onde o presidente fracassou, os republicanos da Câmara liderarão”. Ele apregoa o risco dos déficits, apesar de que até mesmo no levantamento (nada crível) dele, os cortes nos gastos foram usados principalmente para pagamento dos cortes de impostos, não para redução do déficit. A meta óbvia e transparente era usar o medo do déficit para impor uma visão de governo pequeno e impostos baixos, especialmente para os ricos.
Então a proposta de orçamento da Câmara revelou uma enorme distância entre as prioridades dos dois partidos. E revelou uma profunda diferença na visão de como o mundo funciona.
Quando a proposta foi divulgada, ela foi elogiada como um plano “aprovado por estudiosos dedicados”, de autoria de especialistas. Mas os “especialistas” são, na verdade, integrantes da Heritage Foundation, e poucas pessoas fora da extrema direita consideram suas conclusões críveis. Nas palavras da consultoria Macroeconomic Advisers –que ganha a vida dizendo às empresas o que elas precisam saber, e não dizendo aos políticos o que eles querem ouvir– a análise da Heritage é “tanto falha quanto artificial”. Basicamente, a Heritage apostou tudo na alegação já bastante refutada de que redução de impostos sobre os ricos produz resultados econômicos milagrosos, incluindo aumento da receita, o que acaba por reduzir o déficit.
A propósito, a Heritage é sempre assim. Sempre que há algo de que os republicanos não gostem –digamos, a proteção do meio ambiente– pode ter certeza que a Heritage produzirá um relatório, baseado em um modelo econômico que nenhum outro reconheça, alegando que a política resultará em grande perda de empregos. Da mesma forma, quando é algo que os republicanos desejam, como redução de impostos para os ricos ou corporações, pode ter certeza que a Heritage alegará que essa política resultará em grandes benefícios econômicos.
O fato é que os dois partidos não vivem apenas em universos morais diferentes, eles também vivem em universos intelectuais diferentes, com os republicanos em particular contando com um rol de especialistas que, confiavelmente, endossam tudo o que eles propõem.
Então quando é pedido para que os partidos sentem-se juntos e conversem, a pergunta óbvia é, sobre o que deveriam conversar? Onde está o meio-termo?
No final, é claro, os Estados Unidos terão que escolher entre essas visões diferentes. E nós temos uma forma de fazer isso. Ela se chama democracia.
Os republicanos alegam que as eleições de novembro do ano passado lhes deram um mandato para a visão representada pelo seu orçamento. Mas no ano passado os republicanos concorreram contra o que chamavam de “enormes cortes no Medicare” (o seguro-saúde público para idosos e inválidos) contidos na lei de reforma da saúde. Como, então, as eleições podem fornecer um mandato para um plano que não apenas preservará todos esses cortes, mas que buscará, com o tempo, desmontar completamente o Medicare?
As pesquisas sugerem que as prioridades da população diferem muito das representadas no orçamento republicano. A grande maioria apoia impostos maiores, não menores, para os ricos. A grande maioria –incluindo a maioria dos republicanos– também é contra grandes mudanças no Medicare. Mas é claro, a pesquisa que importa é a do dia da eleição. Esse é mais um motivo para tornar as eleições de 2012 uma escolha clara entre essas duas visões.
O que me traz àqueles que pedem por uma solução bipartidária. Perdoe-me por ser cínico, mas no momento “bipartidarismo” é um código para unir alguns democratas conservadores e republicanos ultraconservadores –todos eles com laços estreitos com os ricos, e muitos deles pessoalmente ricos– e fazê-los proclamar que impostos menores sobre as rendas mais elevadas e cortes drásticos na seguridade social são a única solução possível.
Isso seria uma forma corrupta e não democrática de tomar decisões sobre a forma de nossa sociedade, mesmo se os envolvidos realmente fossem homens sábios com um profundo entendimento dos assuntos. E é muito pior quando muitos dos que estão à mesa são pessoas do tipo que solicitam e acreditam no tipo de análise política fornecida pela Heritage Foundation.
Então vamos deixar de ser civilizados. Em vez disso, vamos ter uma discussão franca sobre nossas diferenças. Em particular, se os democratas acreditam que os republicanos estão falando tolices cruéis, eles devem dizer isso –e apresentarem seu caso aos eleitores.
Tradução: George El Khouri Andolfato no uol

Paul Krugman

Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008

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