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sábado, 19 de junho de 2010

O jornal 'Le Monde' estará ameaçado? - GILLES LAPOUGE

Dois grupos disputam o controle do emblemático periódico francês, e o governo do país já escolheu de que lado está


GILLES LAPOUGE, gilles.lapouge@wanadoo.fr - O Estado de S.Paulo

O jornal Le Monde procura 100 milhões, e com urgência: 10 milhões em dinheiro até o fim de julho, do contrário, terá de cessar os pagamentos.

Não há um modo mais claro de ilustrar o drama da imprensa. Le Monde, que representa a honra da França, o único jornal de dimensões internacionais, que é referência de Moscou a Washington, está ameaçado de fechar. Ou, pelo menos de ser vendido, e este seria realmente o fim do Le Monde.

De todo modo, será o fim de um mundo. Este jornal tinha uma peculiaridade: por intermédio da Associação dos Redatores, os jornalistas dispunham de uma participação minoritária com direito de veto. Portanto, eles tinham um direito de monitorar a empresa como um todo, e especialmente de vetar a escolha de um diretor. Um jornal absolutamente livre. Tudo isso é passado: o Le Monde se tornará um jornal como os outros.

A cobiça ferve ao redor de um bom-bocado como este. O italiano De Benedetti, que edita L"Espresso, se retirou do páreo. O mesmo aconteceu com o grupo espanhol Prisa (El Pais). Restam dois pretendentes. Em primeiro lugar, Claude Perdriel, amigo de Sarkozy, um dos dono do Nouvel Observateur, e da operadora Orange, que pertence majoritariamente ao Estado. Além dele, três homens de negócios: Pierre Bergé, Matthieu Pigasse e Xavier Niel, fundador da operadora Free, os três um tanto hostis à atual maioria de direita.

Ocorreu, então, um fato extraordinário: Sarkozy "convocou" o diretor do Le Monde, Eric Fottorino. Depois das amabilidades e bajulações de praxe, em tom suave Sarkozy explicou a Fottorino que os três, Bergé, Pigasse e Niel, formam um "curioso trio".

Fottorino ficou surpreso. Então Sarkozy acrescentou que, se este "curioso trio" saísse vitorioso, infelizmente, o Estado francês não poderia contribuir, via Caixa de Depósitos e Consignações, com os 20 milhões que haviam sido prometidos ao Le Monde para salvar o complexo gráfico do jornal.

Portanto, uma enorme e clara chantagem. Sarkozy ameaçou: se o Le Monde for vendido, não ao grupo bom Perdriel/Orange, mas ao mau (Bergé/Pigasse/Niel), o Estado fará capotar o jornal.

Tanto cinismo surpreende, assim como a falta de tato. Como os jornalistas do Le Monde ainda têm voz ativa neste último episódio, e como a incrível medida de Sarkozy foi divulgada, o "curioso trio" (Bergé, Pigasse, Niel) se sentiu fortalecido. Resta saber se poderá lutar com a enorme capacidade financeira do grupo recomendado por Sarkozy, que é amigo dos banqueiros mais poderosos da França.

Sarkozy explora ao máximo as amizades construídas ao longo de trinta anos com as grandes fortunas. Foi graças a elas que ele constituiu uma cadeia de veículos de comunicação sob as suas ordens - por exemplo, graças à Dassault (construtora do Rafale), que é dona do Le Figaro.

É por isso que a batalha meio sórdida e meio trágica que se desenrola neste momento vai além do simples caso Le Monde. O que está em jogo é a sobrevivência na França de uma imprensa livre, insolente, vibrante e da mais alta qualidade intelectual. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

CORRESPONDENTE EM PARIS



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