terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Uma saída para Israel como álibi


International Herald Tribune

Roger Cohen
Em Londres (Inglaterra)
Uma forma de medir a imensa distância percorrida pelos árabes no último mês é notar o grande assunto sobre o qual não estão falando: Israel.
Por tempo demais, o conflito entre israelenses e palestinos foi a grande distração, explorado por autocratas árabes incompetentes para distrair populações empobrecidas. Nenhum desses líderes árabes se deu ao trabalho de visitar a Cisjordânia. Isso não os impediu de abraçarem a justiça da causa palestina enquanto pisavam na justiça em casa.
Agora, os árabes estão pensando em suas próprias injustiças. Com grande coragem, estão dizendo “Basta!”
A grande mudança está na mente árabe cativa. É uma jornada imensa de uma cultura de vitimização para uma de autoempoderamento, de uma cultura de conspiração para uma de construção. É uma longa estrada da fúria para a responsabilidade, da humilhação à ação.
O homem-bomba suicida volta sua fúria contra um inimigo supostamente externo. A autoimolação, a fagulha deste grande levante pan-árabe, demonstra um desespero semelhante, mas voltado para dentro. O bode expiatório externo é substituído como alvo pelo árabe culpado interior.
A mudança não virá da noite para o dia, e não virá sem dor, mas os árabes embarcaram nela –e os Estados Unidos devem apoiá-los de modo inequívoco. Hosni Mubarak, o presidente egípcio, está liquidado: é apenas uma questão de tempo. Não é de estranhar que o governo Obama esteja pedindo por uma “transição ordeira”.
Sim, há risco. Sempre há na mudança. Mas nada no genoma árabe diz que democracia, liberdade e decência sejam inatingíveis.
Lembre-se, Mohamed Atta, o líder do ataque do 11 de Setembro, veio do Egito de Hosni Mubarak. A grande maioria dos capangas de Atta veio de outra autocracia árabe apoiada pelos Estados Unidos, a Arábia Saudita. Eles não vieram do Irã. Eles não vieram do Líbano e nem de Gaza.
O presidente George W. Bush estava certo em 2003: “Enquanto o Oriente Médio permanecer um lugar onde a liberdade não floresça, ele permanecerá um lugar de estagnação, ressentimento e violência pronta para exportação”. E Condoleezza Rice estava certa ao notar que a promoção pelos Estados Unidos da “estabilidade” –diga-se, autocracia– permitiu “o crescimento de uma forma muito maligna, cancerosa, de extremismo”.
Bush e Rice também foram os autores da invasão ao Iraque. Isso destruiu a credibilidade deles para libertação árabe. A agenda deles de democracia no Oriente Médio não foi a lugar nenhum. Mas, autogerada, ela permanece a meta certa.
Um estudo de 2008 do Centro de Combate ao Terrorismo de West Point apontou que 60% dos combatentes da Al Qaeda no Iraque eram de origem saudita ou líbia: novamente obra desses déspotas árabes em busca de álibi.
Eu falo de risco. O Egito não é a Tunísia, é o epicentro do mundo árabe, que se autoconsidera a “mãe do mundo”, um apoiador dos interesses americanos, uma grande nação que acertou uma paz fria com Israel. A direção em que seguir agora será chave para a região.
Os argumentos daqueles que dizem “é melhor o diabo conhecido” já são claros. Mohamed ElBaradei, o líder de oposição egípcio ganhador do Nobel da Paz, possui uma estatura imensa, mas não uma organização. A Irmandade Muçulmana, radicais islâmicos que odeiam Israel, preencherá qualquer vácuo. Veja o que a democracia árabe traz: Hamas em Gaza, Hizbollah no Líbano e caos no Iraque! É isso o que querem no Egito?
Esses argumentos são frágeis, como a Tunísia, com sua revolução altamente não islâmica, demonstrou, como mostra a democracia turca, e como sugere a restrição egípcia. Eles apenas perpetuam a disfunção no Oriente Médio. Eles ignoram a influência americana sobre o Exército egípcio como uma força moderadora crítica –e a rápida ascensão de ElBaradei como unificador.
Sim, a democracia iraquiana é confusa, mas provará ser mais saudável do que a tirania de Saddam Hussein. Um primeiro-ministro apoiado pelo Hizbollah acabou de chegar ao poder no Líbano –mas por meio de um processo constitucional– e a vida prossegue. A experiência palestina com a democracia provou ser divisora, mas também produziu na Cisjordânia precisamente o afastamento de uma cultura de vitimização e paralisia que agora outros árabes estão seguindo.
De fato, com sua economia em rápido crescimento e desenvolvimento de instituições, a Cisjordânia é um exemplo do amanhecer no mundo árabe –e seria bem maior se Israel ajudasse, em vez de bloquear e atrapalhar.
Nada de bom pode ser construído sobre a falsa fundação do absolutismo árabe, com suas décadas de desperdício: esse é o argumento irrefutável para a mudança.
As imagens do Cairo de 2011 me levam de volta à Teerã em 2009, quando outro país muçulmano repressor –mas não árabe– permaneceu à beira da navalha. Henry Precht, um escritor e ex-diplomata americano, apontou algumas diferenças: 40% dos egípcios ganham menos de US$ 2 por dia, bem menos do que no Irã; as mulheres iranianas são bem mais presentes nas universidades; a alfabetização é mais alta no Irã, a taxa de natalidade é menor. Como Precht escreve: “A política iraniana, por mais falhas que tenha, oferece muito mais elementos de democracia do que a do Egito”.
Estes talvez sejam alguns indícios do motivo para a República Islâmica ter provado ser mais resistente do que parece o Egito de Mubarak atualmente. Ainda assim, os governantes paranóicos do Irã estremecerão diante do povo egípcio no poder.
Um governo egípcio representativo –cujas dores do parto eu acredito que estamos testemunhando– conversará sobre Israel algum dia e poderá ser menos maleável à vontade americana. Mas transmitiria uma mensagem vital para árabes e judeus: a vitimização provoca a autoderrota e é paralisante –mas pode ser superada.
Tradução: George El Khouri Andolfato

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