segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Michel Temer: Por uma democracia eficiente


na Folha de S.Paulo - Opinião 02/09/2013 
Na história republicana do Brasil, sempre tivemos crise institucional. A cada período de vigência de Constituição, tivesse ela ou não conteúdo democrático, crises se sucediam.
Foi assim em 1891, logo depois do decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, que proclamou a Republica. Inspirada nos Estados Unidos, a Constituição era liberal, mas não evitou as crises até 1930: Guerra de Canudos, Revolta da Chibata, Guerra do Contestado, a Coluna Prestes.
Em 1930, inaugurou-se sistema declaradamente ditatorial que perdurou até 1934, quando houve intervalo com a Constituição exigida pelo país. Em 1937, edita-se nova Constituição de feitio autoritário e centralizador. O presidente Getúlio Vargas legislou por meio de decretos-leis até 1945, com os mais variados movimentos insurrecionais.
Sempre crise institucional. Veio a Constituição de 1946, com dizeres democráticos. Mas a crise institucional não terminou. Retornou, pela via eleitoral, Getúlio Vargas. Mesmo com a vigência de critérios democráticos derivados da Constituição de 1946, os conflitos não diminuíram e tinham repercussão nas instituições e na sociedade.
Chegou-se ao suicídio de Vargas e sucessivas crises institucionais. Não houve paz interna até a eleição de Juscelino Kubitschek, cujo governo também enfrentou sedições.
Veio a eleição de Jânio Quadros, que renunciou em seis meses. Nova crise, portanto, a que se seguiu outra: a posse ou não de João Goulart, vice-presidente. Para que Jango pudesse assumir, engendrou-se o parlamentarismo, com a geração de grande instabilidade política e social. Durou pouco.
Em 1963, retornou-se ao sistema presidencialista. Jango enfrentou crise após crise. Sobreveio o golpe de 31 de março de 1964. Findava-se o período regido pela Constituição de 1946 e iniciava-se outro, cuja regência era dada pelos atos institucionais. Todos centralizando o poder na figura do presidente da República. Especialmente o AI-5 de 1968, apesar de havermos editado Constituição em 1967.
Os conflitos se sucediam. Foram tantas as crises que o povo exigiu o retorno à democracia, não sem antes termos passado por várias perturbações institucionais.
Vejam que remarco e insisto na expressão "crise institucional".
A palavra merece gradação. A crise pode ser administrativa quando há má condução das atividades públicas. Pode ser econômica quando os critérios regentes da economia geram perdas para o país. Pode ser política quando, na democracia, o Executivo não tem suficiente apoio no Parlamento. E pode ser institucional. As primeiras são contornáveis. A última é a mais grave porque, no geral, exige nova ordem constitucional. Ou seja, novo Estado. Foi o que aconteceu em 1934, 1937, 1946, 1964/67.
Em 1988, a Assembleia Constituinte produziu o Estado brasileiro atual. Na Constituição, estão preceitos do liberalismo ao lado de direitos sociais. Dou como exemplo o direito à alimentação e à moradia. Milhões de brasileiros ascenderam socialmente e atendeu-se ao princípio da "dignidade humana".
Como todos esses preceitos vêm sendo aplicados, não temos crise institucional. Diferentemente do passado, e embora a Constituição Federal esteja completando 25 anos, não se esboça necessidade de modificação institucional.
Recentemente, convivemos com movimento popular nas ruas, de enorme dimensão. Embora alguns se incorporassem a esses movimentos para gerar crise (é exemplo o caso dos depredadores do patrimônio público e privado), o país não se abalou. Ao contrário.
Os Poderes do Estado atenderam ao clamor popular tomando mais rapidamente série de medidas exigidas por aqueles movimentos.
Rompemos, assim, com o ciclo histórico brasileiro que fazia com que, a cada 20, 25 anos, tivéssemos de recriar o Estado. Este, ancorado nos preceitos da Constituição, continua forte e sobranceiro.
Temos sido capazes de evitar crise institucional pela aplicação dos dispositivos constitucionais. Afinal, o Direito existe para regular as relações sociais em busca da harmonia entre os vários setores da nacionalidade. Em outra palavra: o Direito estabelece quais são as regras do jogo. Desde que se as obedeça, não há por que mudar.
Explico agora as razões do movimento popular que ocupou as ruas brasileiras. Embora tenha demonstrado vigor, não abalou as instituições do Estado. Importante, em tudo, é que não nos desviemos dos critérios democráticos fixados na Constituição Federal.
Relembro: o Estado brasileiro nasceu juridicamente com a Constituição de 1988. O texto foi escrito sob o efeito das liberdades conquistadas. Daí porque se adotaram os preceitos da democracia liberal.
Sublinho que a democracia depois da Constituição de 1988 passou por três fases.
A primeira foi a democracia liberal --quando as liberdades individuais e as liberdades públicas foram não só enfatizadas no texto constitucional, mas aplicadas com grande empenho.
Seguiu-se a democracia social, quando aqueles que usufruíam das liberdades passaram a perceber que elas por si só não eram suficientes e demandaram os direitos sociais, o atendimento às necessidades mais básicas. E essa fórmula democrática permitiu extraordinária ascensão social de 35 milhões de pessoas à classe média.
Ora, essa nova classe média passou a exigir não apenas aquilo que já havia conquistado, mas outra fórmula de democracia. A essa terceira eu chamo de democracia eficiente. Ou seja, passou-se a exigir maior qualidade nos serviços públicos prestados ao povo. Até porque quem não tinha carro e o adquiriu leva horas para chegar ao trabalho. Quando entra no metrô, em ônibus ou aviões, encontra-os superlotados e incapazes de lhe oferecer um mínimo de conforto e dignidade. Passou-se a exigir eficiência. E essa busca fez com que muitos milhares de pessoas fossem às ruas.
Sem a compreensão das fases pelas quais passou a democracia brasileira, fica difícil entender as razões do movimento popular.
Ao mesmo tempo em que se exigiam serviços públicos eficientes, passou-se a exigir também um comportamento político eticamente inatacável do homem público.
A demanda pela eficiência democrática exigia também reformulações no sistema político. Geraram, por isso, movimentações no Executivo e no Legislativo para dar agilidade a processos antes apenas cogitados. Agora, eles passam a ser aplicados. Na democracia que emergiu das manifestações, a voz dos manifestantes não era rouca, mas límpida. E cobra maior eficiência de seus governantes.
Note-se: houve grande movimentação e agitação social, mas nenhum abalo institucional. Volto a dizer: as razões da estabilidade institucional e da adequação social às realidades constitucionais derivam exatamente da obediência estrita aos padrões jurídicos fixados pela Constituição Federal.
Portanto, devemos saudar este momento em que, sem embargo das queixas nas ruas do país, o Estado brasileiro continua funcionando com pleno vigor institucional.
MICHEL TEMER, 72, é vice-presidente da República

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