Thais Leitão
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O fato de um adolescente com idade inferior a 18 anos não poder ser responsabilizado penalmente por seus atos se cometer uma infração não significa que ele deixará de ser punido. Para o diretor adjunto da organização não governamental (ONG) Conectas, Marcos Fuchs, esse é “um mito” baseado na ideia de que a legislação brasileira é mais branda quanto à punição dessa parcela da população.
“As pessoas acham que o adolescente é incitado a cometer um ato infracional por esse motivo, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] estabelece 'apenas' medidas socioeducativas”, disse.
“É preciso entender, no entanto, que esse adolescente não vai para casa como se nada tivesse acontecido, mas é submetido a um regime que prevê até a efetiva restrição de liberdade em estabelecimento próprio, destinado a isso, onde convive somente com adolescentes que praticaram atos infracionais”, acrescentou.
Marcos Fuchs ressaltou que a punição diferenciada por meio das medidas socioeducativas tem um caráter muito mais voltado à recuperação e à ressocialização do que o sistema carcerário brasileiro.
“Nessa fase, os adolescentes e jovens estão formando sua personalidade e, sem dúvida, vale a pena investir na ressocialização”, disse, ressaltando que o ECA elevou a questão da infância e juventude ao centro do ordenamento jurídico brasileiro, em conformidade com os movimentos internacionais de direitos e proteção dessa parcela da população.
O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em políticas de segurança pública e ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), também destacou o caráter ressocializador das punições específicas para jovens e adolescentes. Ele explicou que entre as medidas socioeducativas previstas na lei brasileira estão a reparação de danos, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a semiliberdade - por meio da qual o adolescente pode ir à escola, fazer cursos profissionalizante e trabalhar durante o dia, devendo retornar ao local onde cumpre a medida à noite - e a privação efetiva de liberdade.
Ele destacou que o tempo máximo de internação, estabelecido em três anos, está em conformidade com o princípio da brevidade da medida, expresso na Constituição Federal. Segundo ele, a proposta do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, de ampliar para até oito anos o período de internação do menor infrator para tentar coibir a participação de adolescentes em crimes, fere esse princípio.
“Pela Constituição Federal, a medida socioeducativa de privação de liberdade precisa ter brevidade e excepcionalidade. Para um adolescente de 12 anos, por exemplo, a internação por oito anos não representa brevidade, já que esse período corresponde a dois terços de sua vida”, disse.
Em sua avaliação, reduzir a maioridade penal “seria um atestado de falência do sistema de proteção social do país”.
O especialista também citou experiências internacionais sobre o tema. Segundo ele, um relatório produzido pela Secretaria de Direitos Humanos em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 2009, aponta que em uma lista de 53 países analisados, sem contar o Brasil, 79% adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. Ele explicou que a fixação da idade decorre de recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de Justiça especializada para menores de 18 anos, como ocorre no Brasil.
Ariel de Castro defende que, para combater a violência no país, é preciso investir na garantia de oportunidades e no atendimento adequado à juventude, fortalecendo o sistema de proteção social.
Ele enfatizou que, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) feito em 2012, 57% dos jovens privados de liberdade não frequentavam a escola antes da internação. A idade média dos internos era 16 anos. Cerca de 8% disseram ser analfabetos. Além disso, 86% pararam de estudar em alguma série no ensino fundamental, indicando grande defasagem escolar uma vez que, pela idade, deveriam cursar o ensino médio.
Idade de responsabilidade penal em diferentes países
Países
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Responsabilidade penal (adultos)
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Observações
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Áustria
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19
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O sistema austríaco prevê até os 19 anos a aplicação da Lei de Justiça Juvenil. Dos 19 aos 21, as penas são atenuadas
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Bélgica
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16/18
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O sistema belga não admite responsabilidade abaixo dos 18 anos. Porém, a partir dos 16, admite-se a revisão da presunção de irresponsabilidade para alguns tipos de delitos, como os de trânsito
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Canadá
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14/18
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A legislação canadense admite que a partir dos 14 anos, nos casos de delitos de extrema gravidade, o adolescente seja julgado pela Justiça comum e receba sanções previstas no Código Criminal. Entretanto, estabelece que sanções aplicadas a adolescentes não poderão ser mais severas do que as aplicadas a um adulto pela prática do mesmo crime
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Chile
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18
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A Lei de Responsabilidade Penal de Adolescentes chilena define um sistema de responsabilidade dos 14 aos 18 anos, sendo que, em geral, os adolescentes somente são responsáveis a partir dos 16 anos. No caso de um adolescente de 14 anos, autor de infração penal, a responsabilidade será dos tribunais de Família.
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Estados Unidos
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12/16
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Na maioria dos estados do país, adolescentes com mais de 12 anos podem ser submetidos aos mesmos procedimentos dos adultos, inclusive com a imposição de pena de morte ou prisão perpétua. O país não ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
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França
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18
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Os adolescentes entre 13 e 18 anos têm presunção relativa de irresponsabilidade penal. Quando demonstrado o discernimento, haverá diminuição obrigatória da pena fixada nesta faixa etária. Na faixa de idade seguinte (16 a 18 anos) a diminuição fica a critério do juiz
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Holanda
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18
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Inglaterra
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18/21
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Embora a idade de início da responsabilidade penal na Inglaterra esteja fixada aos 10 anos, a privação de liberdade somente é admitida após os 15. Entre 10 e 14 anos existe a categoria child e de 14 a 18, young person. Para esses casos, há a presunção de plena capacidade e a imposição de penas em quantidade diferenciada das aplicadas aos adultos. Dos 18 a 21 anos, há também atenuação das penas
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Japão
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21
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A lei juvenil japonesa, embora tenha uma definição de delinquência juvenil mais ampla que a maioria dos países, fixa a maioridade penal aos 21 anos
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Paraguai
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18
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Peru
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18
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Noruega
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18
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Rússia
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14/16
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A responsabilidade fixada aos 14 anos somente incide na prática de delitos graves. Para as demais infrações, a idade de início é 16
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Uruguai
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18
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Fonte: Secretaria de Direitos Humanos e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) /2009
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