Alberto Tamer - O Estado de S.Paulo
Pela primeira vez o risco de investir no Brasil é menor que nos Estados Unidos, fato que o ministro Guido Mantega em Brasília aproveitou para festejar, em entrevista à imprensa. O mais importante, porém, não é que o Brasil esteja melhor, mas que a credibilidade dos Estados Unidos tenha piorado.
Pode parecer jogo de palavras, mas não é. A credibilidade não só dos Estados Unidos mas também da zona do euro está se deteriorando, sinalizando mais instabilidade no mercado financeiro mundial nos próximos meses. No caso americano, é a resistência do Partido Republicano de não aumentar o nível de endividamento do país para US$ 14 trilhões - praticamente igual ao PIB. Uma política suicida que pode provocar nova crise financeira se não aprovarem o novo nível até agosto. Desde já, estão criando um clima de calote perigosíssimo para os Estados Unidos e o mundo.
Não é que os investidores vão deixar de comprar títulos do Tesouro americano. Ainda ontem, o governo anunciou que o fluxo líquido de capitais em abril foi de US$ 68,2 bilhões, mas a demanda está desacelerando. Os estrangeiros compraram US$ 23 bilhões, em abril, apenas um pouco menos que os US$ 26 bilhões de março.
Até o Brasil. O resultado de maio ainda não saiu. Não deve ser melhor. Mesmo assim, todos continuam ainda comprando títulos americanos, com preferencia agora para os de curto vencimento. "A crescente preocupação com o endividamento e o déficit está fazendo com que os investidores externos estejam vendendo títulos de longo prazo e comprando papeis de curto prazo",comenta Michael Woolfok, estrategista do BNT Mellon. Todos, como a China, US$ 1,1 trilhão, Japão, US$ 906 bilhões, Grã-Bretanha, US$ 333 bilhões. Até o Brasil, que está num honroso quarto lugar.
O Banco Central não divulga a composição das reservas brasileiras, mas o Tesouro americano informa que em abril o País era o quarto maior detentor de títulos americanos, com US$ 221 bilhões. É pouco mais que os US$ 193 bilhões em março, praticamente igual a fevereiro.
É interessante registrar que os países exportadores de petróleo - classificados em conjunto pelo Departamento do Tesouro - detinham em abril US$ 221 bilhões, quase igual ao Brasil.
Isso confirma o que a coluna já ressaltou: o excedente de dólares que continua entrando no País está indo para as reservas, que, por sua vez, são constituídas em boa parte pela compra de títulos do Tesouro americano.
Sem opções. Não há nada de estranho nisso. Todo mundo ainda está mantendo aqueles títulos em dólares simplesmente porque as outras opções - euro, yuan - são menos seguras. A China, a exemplo do Brasil, continua conservando quase a metade das reservas em títulos do Tesouro americano, apesar do baixo rendimento, para não as transformar em yuan e pressionar a inflação. A diferença é que as reservas chinesas decorrem mais do superávit comercial do que, agora, dos investimentos. Eles estão crescendo mais no Brasil que na China.
Isso vai mudar? Todos, inclusive o FMI, esperam que não. Os bancos centrais, que continuam comprando títulos americanos, também. Eles não podem influenciar a posição suicida dos conservadores republicanos, a não ser alertar sobre o risco de nova crise internacional. Eles exigem que Obama corte gastos para reduzir suas chances na eleição, mesmo que isso signifique jogar o país - e o mundo - no caminho da recessão.
Vamos ouvir Roubini? Mas não há exagero quando se fala em recessão nos EUA e na Europa, enquanto o Japão continua afundado nela? Não seria apenas uma manobra política de Obama e Bernanke ao dizer que um não do Congresso é fatal para o sistema financeiro internacional?
Tudo indica que não. Sondagem entre economistas feita ontem pela Reuters mostra um quadro mais sombrio.
E Nouriel Roubini, o desprezado professor da Universidade de Nova York, que previu em 2006 a crise de 2008, voltou esta semana a afirmar em artigos e entrevistas que é "uma tempestade perfeita". É um cenário de infortúnio fiscal nos Estados Unidos, desaceleração na China, reestruturação da dívida europeia e estagnação no Japão. Roubini lembra que as ações no mundo inteiro perderam mais de US$ 3,3 trilhões desde o início de maio e o mercado financeiro pode começar a se preocupar no meio do ano com uma convergência de riscos em 2013. Ninguém o ouviu antes, dois anos da crise financeira. Não seria bom ouvi-lo agora?
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