Amir Khair - O Estado de S.Paulo
A maior distorção na economia brasileira está nas elevadas taxas de juros Selic e nas cobradas pelos bancos. O Brasil é o paraíso da agiotagem legalizada há mais de 20 anos.
O que chama a atenção é quando o Banco Central (BC) eleva a Selic, o mercado financeiro aplaude, mas, se reduzir, não importa por qual razão, será duramente criticado com a acusação de que perdeu a autonomia e a credibilidade.
Na realidade, ao manter a Selic elevada é que cedeu sua autonomia e perdeu a credibilidade para seu comandante: o mercado financeiro, que vive desta distorção macroeconômica, que submete o governo e a sociedade ao pagamento de juros exorbitantes que alimentam os elevados lucros dos bancos. Mas parece que isso pode mudar.
A crise internacional vem dando sinais claros de deterioração e o Brasil tem quedas sistemáticas na taxa de crescimento. No início do ano, era prevista em 5% e agora caminha para 3%, com os resultados do PIB do 2.º trimestre.
Aí surge o conflito entre reverter a queda da economia ou reduzir a Selic. Uns dizem que a economia não pode crescer mais do que 3%, pois senão a inflação sobe e é necessário elevar ainda mais a Selic para segurar a demanda.
O problema é que a Selic não segura a demanda. O que influi sobre a demanda são as taxas de juros cobradas pelos bancos aos consumidores. Elas não têm nada a ver com a Selic, pois chegam a ser mais de dez vezes maior, como no caso do cheque especial de 188%, que é 17 (!) vezes a Selic.
Se a Selic não interfere no custo do crédito ao consumidor, influi significativamente sobre a decisão das empresas em investir, pois oferece ganhos financeiros sem risco e com liquidez imediata, ao passo que investir num negócio tem baixa liquidez e riscos. Ao inibir investimentos, freia a ampliação da oferta, criando inflação futura.
O BC usou como argumento para abaixar meio ponto na Selic, entre outros, a repercussão da crise internacional sobre a atividade no País. Os que se opuseram usaram como argumento que a crise não é tão ameaçadora quanto a de 2008, com a quebra do Lehman Brothers. Ou seja, seria necessária nova crise da intensidade da ocorrida em 2008, para o BC justificadamente reduzir a Selic! Sem comentários.
É bom frisar que a Selic reduzida para 12%, descontando a inflação prevista para os próximos 12 meses, atinge 6,2%, que é mais que o dobro (!) do segundo colocado, a Hungria, com 2,8%. A média para uma amostra representativa de 40 países está negativa em 0,8%. Se caísse de 12% para 8,5%, a Selic ainda seria a mais alta do mundo.
As taxas de juros anômalas transferem recursos do governo, no caso da Selic, e da sociedade, no caso dos juros bancários, para o sistema financeiro. Isso já deveria ter acabado há muito tempo, mas nenhum governo enfrentou o poderio do mercado financeiro.
O absurdo é que até agora o BC consulta-o para saber qual a expectativa da inflação e da Selic. E, mais grave, divulga-a no boletim Focus semanalmente e a mídia normalmente informa como sendo as expectativas do "mercado". Assim, o BC fica refém do mercado financeiro. Tenho insistido em artigos que não faz sentido usar como amostra apenas um segmento do mercado, que representa só 7% do universo econômico e tem interesse na Selic elevada. Tem que mudar a amostra ou deixar o mercado financeiro preparar o seu boletim.
Parece, no entanto, que o governo, em face da tendência de encolhimento da economia, juntamente com um cenário internacional desfavorável, resolveu fazer o que deveria ter feito há muito tempo, que é tomar decisões macroeconômicas de forma integrada, olhando não apenas a inflação, mas também o câmbio e o crescimento econômico.
Dia 29 último, o governo anunciou sua estratégia para enfrentar a crise internacional. Elevou o esforço fiscal em R$ 10 bilhões, passando o superávit primário (receitas menos despesas, exclusive juros) de R$ 81,8 bilhões para R$ 91,8 bilhões.
Esses R$ 10 bilhões são de excesso de arrecadação. Não é o que as análises ortodoxas querem. Defendem a redução das despesas do governo para diminuir a demanda, o que permitiria ao BC reduzir a Selic. Mas, sob o ponto de vista macroeconômico, uma elevação da receita pública tem o mesmo efeito que uma redução do mesmo montante na despesa.
Ao elevar o superávit primário, o governo comprou, em parte, a tese do mercado financeiro de que a Selic só vai cair se houver melhor desempenho fiscal. É o contrário: a Selic caindo é que permite o maior e mais rápido desempenho fiscal.
A estratégia fiscal do governo vai, no entanto, até 2014. Quer que a despesa de custeio cresça menos que o PIB (como ocorrido até julho), redução das despesas com juros (redução da Selic), indexação da caderneta de poupança a um porcentual da Selic e reduzir a participação da dívida atrelada à Selic.
A sinalização do governo de aperto fiscal pode ser a estratégia do possível, tentando contornar o enfrentamento dos interesses do mercado financeiro de manter a Selic elevada. Na verdade, o mercado financeiro reagirá sempre à redução da Selic. É seu lucro em jogo.
É importante o governo anunciar seu plano fiscal até 2014 no qual constem compromissos de manter as despesas de custeio abaixo do crescimento do PIB para elevar os investimentos, mas isso é insuficiente. Resta incluir no plano o impacto fiscal das políticas cambial e monetária, que é bem superior à contenção das despesas de custeio.
O impacto fiscal da política cambial se dá no custo de carregamento das reservas internacionais. O BC vem elevando essas reservas e as aplica em títulos do Tesouro americano que rendem 2% e paga ao mercado juros de 12%. O diferencial de dez pontos, vezes o nível das reservas, pode atingir neste ano R$ 70 bilhões! Se a Selic fosse igual à da China, de 3%, o diferencial seria de um ponto e esse custo seria dez (!) vezes menor.
No auge da crise de 2008, as reservas estavam em US$ 204 bilhões e no final de julho, US$ 346 bilhões, crescendo 70%! Quanto mais elevada, maior a atração aos especuladores internacionais devido à maior solvência.
Despesas com juros. O impacto fiscal da política monetária se dá pelas despesas com juros. Nos últimos 16 anos, representou 7,38% do PIB em face da média internacional de 1,8% do PIB devido à Selic ser a taxa de juros mais alta do mundo durante mais de uma dezena de anos. Nos últimos 12 meses até julho atingiu R$ 225 bilhões, ou 5,7% do PIB. Como o governo pretende alcançar um superávit primário de 3,2% do PIB, vai ocorrer um déficit fiscal de 2,5% do PIB (5,7 menos 3,2).
Neste ano até julho, em comparação com o mesmo período de 2010, as despesas não financeiras do governo federal (custeio e investimentos) cresceram 11% (sem corrigir a inflação), o mesmo para o funcionalismo e 10,8% para a previdência social e, pasmem: 48,3% (!) para os juros.
A Selic e os juros bancários precisam cair, e isso impõe uma queda de braço entre o governo mais a sociedade, que pagam os juros, e o mercado financeiro. Vamos acompanhar esse enfrentamento, que é necessário para o desenvolvimento do País.
MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR
Nenhum comentário:
Postar um comentário