domingo, 18 de setembro de 2011

Dilma muda orientação econômica da era Lula


Após alta de IPI para veículos importados, governo ruma para o desenvolvimentismo

Leandro Modé - O Estado de S.Paulo
Na economia, desenvolvimentismo. Esse parece ser a nova marca do governo. As mudanças promovidas pela presidente Dilma Rousseff em relação aos anos do ex-presidente de Luiz Inácio Lula da Silva vão ficando mais claras a cada dia e têm provocado intenso debate. Ninguém mais tem dúvidas de que a ortodoxia à brasileira (ou seja, sem muito radicalismo) adotada por Lula foi abandonada por Dilma.
É verdade que os primeiros indícios de uma nova orientação foram dados ainda em 2010, quando o governo implementou medidas para conter a valorização do real ante o dólar. Nos nove primeiros meses de 2011, porém, a estratégia foi radicalizada.
A inesperada decisão do Banco Central (BC) de reduzir a taxa básica de juros (Selic) de 12,50% para 12% ao ano no fim de agosto foi o segundo indício. A pá de cal foi o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos importados, anunciado quinta-feira.
"A medida na área automotiva marca uma mudança importante não só em relação ao governo Lula, mas às políticas dos últimos 20 anos. O Brasil caminhava para ser uma economia mais aberta do ponto de vista do comércio exterior", afirmou o economista José Márcio Camargo, professor da PUC-RJ.
"Há uma guinada na política econômica brasileira", completou o economista Amir Khair, professor da FGV-SP e ex-secretário das Finanças da cidade de São Paulo.
Tripé de FHC. A ortodoxia à brasileira de Lula caracterizou-se pela manutenção do tripé macroeconômico herdado de Fernando Henrique Cardoso: câmbio flutuante, superávit primário e regime de metas de inflação. Bem ou mal, o câmbio flutuou, os resultados fiscais ficaram quase sempre dentro do esperado e a inflação pouco fugiu ao centro da meta de 4,5% ao ano.
Na política econômica de Dilma - que, para muitos especialistas, é muito semelhante ao que seria feito em um eventual governo de José Serra -, o tripé continua formalmente funcionando. Mas o câmbio sofre mais intervenções, a inflação fica cada vez mais distante do centro da meta e há a promessa de um rigor fiscal maior que o de Lula.
Para aqueles que se identificam com essa linha de pensamento, conhecidos no mundo econômico como desenvolvimentistas (ou heterodoxos), a mudança de rota é positiva e só ocorreu por causa do agravamento da crise global. Seus adversários na ideologia, chamados de ortodoxos, desaprovam o novo caminho e veem risco de que desemboque em forte alta da inflação lá na frente.
Mais complexo. "O cenário econômico que Dilma enfrenta é muito mais complexo que o de Lula, o que exige mesmo mudanças, inclusive na área comercial", afirmou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp, que chegou a ser cotado para assumir o BC no governo anterior.
"A atitude de quinta-feira marca o começo de uma série de medidas protecionistas, respondendo ao forte lobby da indústria. O (ministro Guido) Mantega argumenta que quer gerar mais empregos, mas a taxa de desemprego é a mais baixa de toda a história", rebate o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore.
E agora? Tanto Khair quanto Belluzzo argumentam que momentos extraordinários, como o atual, exigem ações igualmente extraordinárias. "O governo não tem alternativa senão fazer a economia ir para a frente. É melhor ativá-la do que se arriscar a não fazer nada", disse o ex-secretário paulistano.
"Basta lembrar do que aconteceu no fim de 2008: a atividade despencou. Não foi a marolinha que o então presidente Lula previu", disse.
Dívida pública. Khair acredita que a redução do juro não vai necessariamente resultar em alta da inflação. Em primeiro lugar, porque ele discorda da ideia de que a taxa Selic seja determinante para conter os preços. Em segundo, porque a própria redução do juro diminui o custo da dívida pública, abrindo espaço para uma situação fiscal mais equilibrada.
Belluzzo defende a restrição às importações de veículos. "No mundo em crise, cada país defende seu próprio interesse com ações individuais. Reconheço que isso resulta em um prejuízo coletivo, mas, se ficarmos por último, estamos lascados." Tanto ele quanto Khair observam que já há uma onda protecionista no planeta. Uma guerra comercial estaria em curso, coexistindo com a guerra cambial.
Anos 30. Para os ortodoxos, esse tipo de guerra - cambial e comercial - já se mostrou ruim para a economia global durante a crise dos anos 30. É por isso que o próprio Belluzzo fala em prejuízo coletivo. "O governo parece empenhado em resgatar dos alfarrábios da política econômica muitas coisas que não deram certo no passado", disse a economista Monica de Bolle, sócia da Galanto Consultoria. "O que fizeram com o setor automotivo é protecionismo da pior espécie."
Além disso, observou Camargo, "todas essas políticas (do governo Dilma) são claramente inflacionárias". Ao reduzir o juro, argumentou, o governo estimula a demanda, que já tem fatores suficientes para permanecer aquecida, como os investimentos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
"Fechar mais a economia significa diminuir a concorrência. Ou seja, mais inflação." Por fim, lembrou, o dólar mais valorizado também eleva os preços da economia.
Ele admite que a tarefa do governo não é simples. Segundo explicou Camargo, uma das consequências da crise global foi o aumento da liquidez, que, por sua vez, levou a uma forte alta dos preços das commodities. "Em outras palavras, inflação", afirmou.
"Com isso, os países têm de enfrentar uma nova realidade: para apurar o mesmo nível de crescimento que tinham antes, é preciso tolerar mais inflação. No limite, estamos falando em um conflito entre mais ou menos emprego vis-à-vis mais ou menos inflação. É uma escolha difícil e o governo parece já ter feito a dele."

Guinada
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
PROFESSOR DA PUC-RJ
"A medida na área automotiva marca uma mudança importante não só em relação ao governo Lula, mas às políticas dos últimos 20 anos. O Brasil caminhava para ser uma economia mais aberta do ponto de vista do comércio exterior"
AMIR KHAIR
PROFESSOR DA FGV-SP
"Há uma guinada na política econômica brasileira" 

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