Cairo quer saber como Berlim abriu os porões da Stasi
Michael Birnbaum, The Washington Post - O Estado de S.Paulo
A Alemanha é famosa pela extraordinária qualidade dos produtos que exporta ao mundo todo. Mas, na segunda-feira, representantes dos governos alemão e egípcio reuniram-se para discutir a respeito da exportação de uma coisa completamente diferente: a experiência necessária para desmantelar temidas agências nacionais de espionagem.
Hosni Mubarak foi deposto da presidência do Egito há pouco mais de um mês e meio e sua poderosa organização de segurança estatal - que deu respaldo ao seu reinado por quase 30 anos, infiltrando-se em todas as instâncias da vida do país - não desapareceu.
Os funcionários continuam entrando e saindo do quartel-general num bairro do Cairo, fortemente policiado, semelhante a uma pirâmide invertida, com o topo enterrado no chão. Este mês, manifestantes invadiram o edifício quando ouviram dizer que os registros das atividades da agência estavam sendo destruídos. Um incêndio misterioso que consumiu vários andares de outro edifício, do Ministério do Interior, na semana passada, também deu origem a amplas especulações sobre a possibilidade de o fogo ter sido ateado a fim de acabar com os arquivos. As causas estão sendo investigadas.
Há 20 anos, os alemães orientais defrontaram-se com uma situação semelhante, quando o governo comunista entrou em colapso, deixando para trás a vasta agência de espionagem Stasi. "O que vocês pretendem fazer com esses arquivos para que não prejudiquem um futuro processo democrático?", perguntou Herbert Ziehm, vice-diretor da agência alemã que mantém os documentos da Stasi. "Pois não se trata apenas do passado, mas do futuro", completou.
Para muitos egípcios, o destino de sua agência de segurança estatal constituirá um teste crucial do progresso da revolução. E muitos ainda olham preocupados para trás na rua, não acreditando que a vigilância acabou.
"Há essa enorme massa de pessoas que continuam trabalhando, ainda ocupando os mesmos cargos, mas invisíveis", disse Amna Shawkat, de 30 anos, que participou dos protestos que depuseram Mubarak e esteve numa reunião no final de semana com Ziehm. "Não sei se estou esperançosa." Na sua opinião, os arquivos devem ser preservados.
A Alemanha criou uma grande agência para cuidar dos documentos da Stasi, mantendo-os inacessíveis ao público, mas permitindo que as pessoas vejam aqueles cujo conteúdo lhe diz respeito. A agência também investiga os candidatos ao Parlamento para ter a certeza de que nunca tenham trabalhado na Stasi, e introduziu métodos de escaneamento computadorizado que reconstituem arquivos triturados.
"Parece uma coisa de país rico", disse Mostafa Hussein, outro manifestante. "Veremos o que acontecerá no Egito."
A visita alemã ao Cairo foi breve - três dias -, mas as autoridades esperam que seja o começo de um relacionamento mais longo.
A equipe alemã reuniu-se na segunda-feira com um funcionário do Ministério do Interior, Hani Abdel Latif, que quis conhecer em detalhes o que aconteceu com os funcionários da antiga Stasi e como os alemães reconstituíram os arquivos triturados.
Andreas Jacobs, que dirige o escritório do Cairo de um grupo de pesquisadores ligados ao partido político da chanceler alemã, Angela Merkel, e organizou a viagem, disse: "Eles pediram uma orientação, pois ficou comprovado que foi ótimo para a Alemanha não destruir os registros". No entanto, ele enfatizou que a Alemanha não pode dizer ao Egito o que fazer.
Backup. O ministro do Interior Mansour el-Eissawy anunciou que a agência estatal de segurança será desmantelada e uma nova desempenhará a missão de defender o país contra o terrorismo. Muitos funcionários da instituição anterior serão mantidos, disse ele, por serem qualificados e porque não se envolveram nos aspectos mais repugnantes da organização.
Na semana passada, em uma entrevista ao programa Egypt Today, Eissawy afirmou que, embora os arquivos tenham sido destruídos, o ministério tem um backup que foi preservado e pretende começar as investigações sobre tortura e outros abusos. Ele não disse se pretende divulgar os arquivos.
Muitos egípcios tiveram acesso aos seus arquivos nas últimas semanas, depois da invasão. E sites criados segundo o modelo do WikiLeaks para acabar com o sigilo postaram muitos supostos registros, embora haja suspeitas de falsificação.
Um destacado integrante da Irmandade Muçulmana recebeu este mês uma cópia de parte do seu arquivo. "Eles gravaram as ligações telefônicas. Instalaram câmeras nas paredes de meus escritórios", relatou Mohamed Ghareeb Adb el-Aziz, advogado de muitos vários representantes da Irmandade Muçulmana. TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
É CORRESPONDENTE NO CAIRO
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