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MARCELO MIRANDA BECKER no Terra
Apresentada na última segunda-feira pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, em evento na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a proposta de emenda constitucional (PEC) dos recursos pretende dar maior eficiência ao Judiciário, reduzindo a eficácia de recursos impetrados junto aos tribunais superiores e ao STF.
Para o advogado Flávio Luiz Yarschell, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a celeridade na execução das penas, com a limitação de recursos, pode provocar injustiças.
"É uma tomada de posição que a sociedade precisa enfrentar. O que a sociedade quer? Ela quer decisões rápidas, que correm o risco de serem injustas, ou quer decisões mais demoradas, mas que prestigiem a busca da justiça?", questiona. "A sociedade muitas vezes se insurge contra isso (recursos), porque ela associa essa demora do trâmite legal com a ineficiência da Justiça", afirma.
A "PEC dos Recursos" é uma contribuição pessoal de Peluso para o terceiro Pacto Republicano. O texto propõe a imediata execução das decisões judiciais, logo após o pronunciamento dos tribunais de segunda instância (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais).
O réu ainda teria direito a entrar com recurso junto aos tribunais superiores em um prazo de 15 dias após a condenação, mas não impediria o trânsito em julgado da decisão de segunda instância. Na prática, os recursos seriam examinados como uma ação rescisória, ou seja, serviriam apenas para anular decisões consideradas inadequadas.
A possibilidade de que réus sejam presos equivocadamente e tenham que aguardar na prisão até o julgamento do Supremo preocupa Yarschell. "Você diz que transita em julgado, mas, ao mesmo tempo, não elimina a possibilidade de revisão, porque o que a proposta faz é o seguinte: o recurso segue e depois, se ele for provido, vai desfazer aquilo que provavelmente já produziu efeitos irreversíveis", afirma.
"Um princípio da legislação brasileira, em matéria penal, é de que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória", define o advogado. "A proposta dele (Peluso) é criar um conceito de coisa julgada que não existia. Eu não sei se isso não afronta essa garantia, que poderia ser posta como cláusula pétrea. Você está dizendo que ocorre a coisa julgada quando não ocorreu. Se existe um recurso cabível, se a decisão ainda pode ser revista, por definição, não houve coisa julgada", avalia.
O ex-secretário nacional de Justiça e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Pedro Abramovay minimiza a possibilidade de que réus condenados cumpram pena injustamente. "Do ponto de vista penal, hoje é muito raro que alguém seja solto com base em um recurso extraordinário (junto ao STF). Hoje em dia se faz uso do habeas-corpus com esse fim, e esse vai continuar sendo um direito da defesa. Em mais de 80% dos recursos analisados pelos tribunais superiores, a decisão confirma o que a instância anterior havia determinado", argumenta.
"Atualmente, o recurso tem basicamente a função de prorrogar o processo sem a execução da pena. Mas enquanto o processo não termina, há o risco de que o crime prescreva, o que favorece a impunidade", adverte Abramovay.
Yarschell também critica outro aspecto da proposta de Peluso, que se refere à proibição de concessão de efeito suspensivo a recursos apresentados pela defesa dos réus. "A emenda diz 'não pode o relator dar efeito suspensivo, podendo, eventualmente, pedir preferência no julgamento'.
Proibir um ministro de dar efeito suspensivo em um recurso, eu não tenho certeza se não é afrontar a própria função jurisdicional. Você elimina a independência que o juiz tem. Porque se ele entende que é plausível o recurso, ele dá o efeito suspensivo justamente para assegurar o resultado útil da decisão dele", defende Yarschell.
Resgate do papel do STF
Para Pedro Abramovay, se aprovada, a proposta de Peluso vai reduzir significativamente o número de recursos extraordinários que chegam até o STF e permitirá que o Supremo se concentre naquilo que é sua função, a de garantir o respeito à Constituição Federal.
"(A PEC) tem um papel mais importante de ir formatando o Supremo não mais como uma corte recursal, mas dando ao Supremo seu devido papel, que é um papel constitucional, de zelar pelo respeito à Constituição", diz Abramovay. Para o professor, a proposta deve combater a prática do uso dos recursos com a função de prolongar o processo e assegurar a impunidade.
De acordo com Abramovay, a "PEC dos recursos" aprofunda a reforma do Judiciário, iniciada em 2004, com a Emenda Constitucional nº 45/2004. Para o jurista, é preciso mudar a mentalidade arraigada na sociedade de que toda parte envolvida em processo tem direito a levar sua discussão até o STF. "Até 2004, o Judiciário estava claramente indo numa linha em que o STF se tornaria o grande depósito final de todos os processos brasileiros. Toda a parte no processo achava que tinha direito a levar aquela discussão até o Supremo, e cada instância era uma etapa provisória, que era necessária se passar até chegar à instância final", relata.
Segundo o professor da FGV, a legislação não prevê que todo cidadão tenha direito de levar suas causas até a Corte Suprema. A execução da pena a partir da decisão de segunda instância, diz Abramovay, respeita a premissa de ampla defesa do réu, já que "nenhum país do mundo tem mais de duas instâncias".
Yarschell questiona a ideia de que o Judiciário brasileiro possua quatro instâncias. "É um sofisma falar que a Justiça brasileira tem quatro instâncias. É uma meia-verdade, porque o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF não julgam o fato, não examinam prova. O STJ tem a função de uniformizar o direito federal. E o Supremo defende a Constituição", diz.
Debate
Abramovay coordena na FGV o projeto do portal Democracia Online, lançado no último dia 24, que pretende ser um espaço de discussão da sociedade sobre a proposta de reforma do Judiciário. "Aos poucos está aquecendo o debate, a ideia é que todos possam entrar para dar sua opinião, sua contribuição para a reforma. Essa discussão sobre o melhor rumo a se tomar, no fundo, se encerra somente no momento em que a PEC for aprovada no Congresso", prevê o professor da FGV.
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