segunda-feira, 28 de março de 2011

Dilema entre ''o que se quer ser'' e ''o que se é''


Para economista do Ipea, política industrial do final do governo Lula reforçou perfil industrial de baixo valor agregado

Fernando Dantas e Alexandre Rodrigues - O Estado de S.Paulo
Os defensores do governo Lula consideram que ele reintroduziu a política industrial no Brasil, congelada por duas décadas em função da crise fiscal dos anos 80 e da prevalência do pensamento liberal anti-intervencionista na era tucana dos 90. Há algum exagero nessa afirmação, mas é inegável que a ideia de que o Estado tem um papel de estímulo, organização e orientação da atividade produtiva, mesmo no setor privado, ganhou força com Lula.
O problema, porém, é definir que tipo de diretriz seguir. A segunda Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) tentará mais uma vez uma síntese das principais correntes em disputa.
Como observa o economista Mansueto Almeida, pesquisador do Ipea, no trabalho "O Novo Estado Desenvolvimentista e Governo Lula", "a definição de política industrial tem sempre um dilema implícito entre o "que se quer ser" - um país com uma estrutura produtiva especializada em produtos de alta tecnologia, com exportações de produtos e serviços de alto valor agregado - e "o que se é" - uma nação com estrutura produtiva diversificada com vantagens competitivas na produção de produtos agropecuários, minerais, siderúrgicos e na cadeia de petróleo e gás".
Na visão de Almeida, a política industrial do segundo mandato de Lula reforçou a atual configuração produtiva, pela qual os setores mais competitivos, ligados direta ou indiretamente a recursos naturais - ferro, celulose, carnes, agroindústria, petróleo, siderurgia - receberam dezenas de bilhões de reais do BNDES, formulador e executor da PDP.
Entre os setores prioritários dessa política industrial, o de carnes virou uma pedra no sapato do banco, alvo de críticas pelo suporte financeiro para a expansão e internacionalização de grupos como JBS e Marfrig. Além de se tratar de um setor de baixo valor agregado, os resultados dessas empresas ainda não mostraram o êxito da estratégia. O JBS, por exemplo, teve prejuízo em 2010 com dificuldades para operar ativos no exterior e cumprir acordos com o BNDES.
Ao mesmo tempo, o banco não abandonou setores intensivos em conhecimento, como o farmacêutico e o de informática. Fortaleceu a Hypermarcas para a compra de laboratórios visados pelo capital estrangeiro e injetou R$ 1,6 bilhão no setor só em 2010 por meio de um programa específico, o Profarma. Desse total, R$ 492 milhões foram só para inovação. Já na informática, vem estimulando a competitividade do setor de software e as aquisições que fizeram da Totvs uma gigante do setor. Financiou R$ 2 bilhões em projetos no setor pelo programa Prosoft.
A razão para direcionar recursos a setores tradicionais não é difícil de entender. Para acelerar a velocidade de crescimento da economia a médio prazo, o governo precisa elevar a taxa de investimentos. Se a ideia é pisar no acelerador do investimento, é preciso focar nos setores mais fortes e competitivos, que já estão naturalmente predispostos a investir e se expandir.
Numa visão de prazo muito mais longo, porém, ganha sentido uma agenda nova. Uma das preocupações dos desenvolvimentistas representados no governo Dilma é de que o Brasil está se especializando demais em commodities ou cadeias produtivas estreitamente ligadas a recursos naturais, deixando para trás setores mais dinâmicos em termos de tecnologia, nos quais a "economia do conhecimento" é mais decisiva.
Nesse ângulo, o papel da política industrial é estimular a inovação e a diversificação na direção de setores, empresas e negócios mais intensivos em tecnologia e na economia do conhecimento, sem abandonar o que já é competitivo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário