segunda-feira, 21 de março de 2011

Editoriais - Folha de S.Paulo - Ecos do Japão


Governo de Naoto Kan já enfrenta críticas à gestão da tragédia e da crise nas usinas nucleares, mas país deverá reerguer-se mais uma vez

O mundo mantém os olhos voltados para a tragédia japonesa. Prevalece um impulso geral de solidariedade, porém tingido, de forma crescente, com o temor de reverberações na atividade econômica mundial. Já surgem, também, críticas à gestão da crise pelo governo de Naoto Kan, em especial da emergência nuclear.
Ainda não é possível compor uma avaliação precisa da extensão dos danos causados pela calamidade. Além da questão humanitária, a incerteza sobre a hipótese de contaminações nucleares mais graves impede projeções realistas sobre o retorno ao pleno funcionamento da terceira maior economia do mundo.
O impacto imediato da crise foi derrubar os preços das matérias-primas, vez que o Japão é importante consumidor global de energia e commodities. Mas este é um fenômeno temporário, fruto do oportunismo de especuladores: a necessidade de reconstrução acabará por elevar os preços de minério de ferro, carvão, cobre e petróleo, entre outros insumos.
Afora esse impacto inicial, têm proliferado análises segundo as quais os danos à economia mundial serão reduzidos, dado que o Japão só representa 6% do PIB global. As duas maiores economias do mundo, EUA e China, embarcam para o país apenas 5% e 8% das respectivas exportações.
O quadro é mais complexo, contudo. O Japão é um centro econômico e financeiro, que concentra a produção de componentes de várias cadeias industriais -inclusive no Brasil- decisivas para a economia mundial.
O tsunami cortou 7% da produção de energia termelétrica e 25% da energia nuclear da nação oriental, obrigando suas autoridades a impor cortes seletivos de fornecimento em vastas áreas. O racionamento atingiu milhões de pessoas e interrompeu o funcionamento de muitas fábricas.
Do lado financeiro, o país se destaca como um grande exportador de capitais. Conta com nada menos que US$ 3 trilhões em saldos financeiros no exterior.
Estima-se que algo entre US$ 30 bilhões e US$ 60 bilhões estariam aplicados no Brasil. Não é difícil imaginar o impacto negativo de uma eventual repatriação desses recursos, embora não pareça o cenário mais provável.
Há preocupações, ainda, com o custo da reconstrução. Calcula-se que alcancem ao menos US$ 200 bilhões, equivalentes a 4% do PIB japonês. Para um país com uma dívida interna no alto patamar de 220% do PIB, o maior do mundo, cogita-se aqui e ali que o esforço de recuperação possa deteriorar as contas do Estado japonês.
No entanto o Japão é um país rico, com ativos privados vastamente superiores à dívida do governo. Parece certo que a nação poderá arcar com tal custo, sem maiores problemas.
A resposta do povo japonês ao desastre, pautada na disciplina e na cooperação, tem algo de admirável. Podem-se fazer reparos à gestão da crise nuclear, que tem parecido confusa a muitos dentro e fora do Japão, mas se trata de uma nação resistente, que decerto conseguirá reverter a calamidade presente em coesão nacional.

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