O Estado de S.Paulo
Com base em parecer jurídico elaborado pela Procuradoria-Geral do Município, a Prefeitura de São Paulo deu o primeiro passo para a mudança da política de combate ao consumo de crack por meninos de rua. Alegando que toxicômanos são considerados civilmente incapazes pela legislação em vigor, podendo ser levados à avaliação de um psiquiatra mesmo contra a vontade, e que menores viciados não têm capacidade para decidir o que devem fazer, o parecer considera legal a internação compulsória. A proposta de adoção da internação forçada agora vai ser examinada pelas Secretarias da Saúde e da Assistência Social, antes de ser apresentada ao prefeito Gilberto Kassab.
A discussão é antiga e a Prefeitura de São Paulo está atrasada na adoção de estratégias mais eficazes para ajudar as autoridades de segurança pública a combater furtos, roubos e agressões cometidos por meninos de rua viciados em crack. No Rio de Janeiro, desde maio vigora uma portaria da Secretaria Municipal de Assistência Social que regulamenta a internação compulsória de crianças e adolescentes flagrados consumindo crack na cidade. Entre 3 de junho e 19 de julho, as autoridades locais retiraram 61 menores das ruas, encaminhando-os para quatro abrigos.
Essa política é apoiada por promotores de Justiça e juízes das Varas da Infância e Juventude, tal a gravidade do problema, mas sua implementação esbarra na resistência de alguns setores da sociedade civil. Os movimentos sociais alegam que essa política compromete o direito de ir e vir dos menores e privilegiam "medidas higienistas travestidas de assistência social". Diretores dos conselhos profissionais de Enfermagem, Nutrição e Psicologia e da OAB afirmam que os abrigos não dispõem de profissionais preparados em número suficiente para ministrar medicamentos controlados.
Já os defensores da internação compulsória classificam essa política como "ato de coerção com compaixão". Para o médico Ronaldo Laranjeira - Ph.D. em psiquiatria pela Universidade de Londres, professor da Universidade Federal de São Paulo e diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas - o Estado poderá ser acusado de omissão se não retirar menores viciados das ruas. "Se o quadro recomenda, o psiquiatra pode autorizar a internação compulsória. Ilegal é isso ser determinado pela Justiça sem prévia avaliação clínica", acrescenta o defensor público Flávio Frassetto.
O modelo de internação compulsória recomendado pelo parecer da Procuradoria-Geral do Município de São Paulo é semelhante ao adotado pela Prefeitura do Rio de Janeiro. O processo terá três fases - na primeira, os assistentes sociais determinam o que deve ser feito caso a caso, entre os menores que vivem na rua. Na segunda fase, técnicos da Secretaria de Assistência Social tentam persuadi-los a voltar ao ambiente familiar e avaliam se os pais estão em condições de recebê-los. Na terceira fase, médicos da Secretaria da Saúde avaliam se os menores triados são viciados. Se forem constadas dependência química e ambiente familiar com problemas, o caso é encaminhado ao Ministério Público, que pede à Justiça a internação compulsória. No Rio de Janeiro, nenhuma internação é feita sem autorização judicial.
Evidentemente, o custo dessa política é alto. Pelas estimativas, cada menor de rua viciado internado compulsoriamente custa R$ 2,5 mil mensais para os cofres públicos. Em São Paulo essa política exigirá a expansão da infraestrutura em saúde, pois a capital conta hoje com apenas 317 leitos em clínicas e só na região central há cerca de 2 mil usuários de drogas vagando pelas ruas.
Independentemente do modelo de política que poderá ser adotado em São Paulo, ao considerar legal a internação compulsória de menores de rua viciados o parecer da Procuradoria-Geral do Município tem o mérito de discutir com realismo e objetividade um problema que até agora vinha sendo debatido de modo equivocado, com muita ideologia e firulas doutrinárias.
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