A crer na versão de fontes do Palácio do Planalto de que Dilma Rousseff teria voltado atrás na intenção anteriormente manifestada de vetar a manobra por meio da qual o Congresso Nacional elevou em R$ 100 milhões os repasses da União para o Fundo Partidário, a presidente da República está perdendo uma excelente oportunidade de dar ao País um ótimo exemplo, aquele que vem de cima, de que recursos públicos são dinheiro que sai do bolso dos cidadãos para ser aplicado em benefício do bem comum, e não para resolver os apertos financeiros de quem quer que seja - no caso, os partidos políticos. No fim do ano passado, com a maior discrição, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso aprovou, por acordo das lideranças, a elevação do montante de repasses anuais do Fundo Partidário de R$ 150 milhões para R$ 265 milhões, um aumento de nada modestos 56%. O objetivo é zerar o déficit deixado nas contas dos partidos pela campanha eleitoral do ano passado. Assim, o PT, que fechou 2010 com quase R$ 16 milhões no vermelho, fará jus agora a uma receita extra de R$ 16,8 milhões proveniente do Fundo. E o PSDB, cujo déficit no ano passado foi de R$ 11,4 milhões, contará com um reforço de caixa exatamente no mesmo valor. Não houve, como se vê, nem a preocupação de salvar as aparências.
Em 14 de janeiro, em pleno recesso parlamentar, o Estado denunciou a manobra, em matéria dos repórteres Daniel Bramatti e Julia Duailibi. O assunto teria chamado a atenção da presidente, que já naquele momento estava preocupada com os cortes orçamentários necessários para equilibrar as contas do governo. Parece que acabou prevalecendo, contudo, o "deixa pra lá". Afinal, não foi economizando recursos que o governo petista construiu, ao longo dos últimos oito anos, sua sólida e folgada base de apoio parlamentar. E neste caso, então, com a cumplicidade da oposição, que se finge de morta por conveniência própria, a presidente deve ter-se cansado de ouvir, de seus principais conselheiros, que não há nenhuma razão para mexer em casa de marimbondo.
Essa escandalosa estatização dos prejuízos dos partidos políticos dá bem ideia da dimensão do paternalismo que historicamente impera na política brasileira e que tem como uma de suas faces mais perversas a tranquilidade com que governantes agem como se o governo fosse sua propriedade privada. Por outro lado, esse episódio coloca mais uma vez em evidência os malefícios do modelo de financiamento público do sistema partidário - e, consequentemente, das campanhas eleitorais. Malefícios só comparáveis aos provocados pelo financiamento generosamente praticado pelas corporações empresariais ávidas de conquistar a boa vontade dos donos do poder político.
No caso presente, a estatização dos prejuízos dos partidos é uma lamentável demonstração de como os parlamentares não se constrangem de legislar em causa própria. Trata-se de um casuísmo afrontoso, quando se lembra que são os próprios parlamentares, eleitos para defender os interesses da população, que não têm o menor escrúpulo de botar na conta da viúva o prejuízo do péssimo exemplo que dão ao gastar, para se eleger, muito mais do que podem. Assim, é no mínimo cínico o argumento que, segundo fontes do Palácio do Planalto, teria levado a presidente Dilma Rousseff a mudar de ideia sobre o aumento dos repasses partidários em momento crítico de cortes de despesas: a decisão adotada em dezembro pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso foi o resultado de um acordo entre os partidos da base aliada e os da oposição. É preciso, portanto, respeitar esse acordo.
É preciso por quê? A presidente não tem o direito constitucional de veto? Talvez não convenha, politicamente, exercer esse direito, o que é outra história. Neste caso, o veto poderia resultar numa enorme dor de cabeça para uma chefe de governo a quem não faltam problemas herdados para resolver. E talvez um dos maiores deles seja o rasteiro "toma lá, dá cá" em que a maioria governista no Parlamento se assenta. Mas é exatamente em momentos como este que o verdadeiro estadista olha na direção certa e assume os riscos de se distinguir do político comum.
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