- O Estado de S.Paulo
Mamífero ovíparo, com focinho parecido com bico de pato, rabo de castor, patas com membranas e garras e esporões nos tornozelos, o ornitorrinco, um animal semiaquático, é um exemplo de simplicidade quando comparado com a Medida Provisória (MP) 517, incluída em regime de urgência na pauta de hoje da Câmara dos Deputados. Crédito de longo prazo, incentivo à informática, política energética e desenvolvimento regional são alguns dos temas incluídos nessa aberração legislativa. O ornitorrinco é um produto da natureza notavelmente adaptado a seu ambiente. MPs como a 517 só podem resultar de uma anomalia - a cooperação de um Executivo acostumado a legislar pelo método mais fácil e frequentemente abusivo e um Legislativo habituado à passividade e pouco empenhado em defender suas prerrogativas.
A MP 517 foi editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 30 de dezembro de 2010, um dia antes do fim de seu mandato. A versão original tinha 22 artigos. Hoje tem 52, graças a entendimentos entre parlamentares e autoridades do Executivo. Quando foi publicada, no fim do ano passado, já tratava de oito assuntos. O mais importante, naquele momento, era a política de financiamentos. O governo precisava criar condições favoráveis à expansão dos financiamentos privados de longo prazo. Seria uma forma de repartir com os bancos particulares uma tarefa cumprida quase exclusivamente pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outras instituições estatais. Mas o texto incluía, além desse tema, incentivos à indústria de informática, estímulos à construção de usinas nucleares, isenções para empreendimentos no Nordeste e na Amazônia. Além disso, a MP original prorrogava por 25 anos a cobrança da Reserva Global de Reversão (RGR) e por um ano o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).
Essa combinação estapafúrdia já era mais do que suficiente para pôr em alerta o Legislativo. Cada providência contida naquele documento poderia ser defensável, mas nem todas caberiam numa única MP. A rigor, talvez nenhuma fosse compatível com esse tipo de instrumento. A Constituição só admite a edição de MPs em casos de relevância e urgência. Não basta um desses atributos. É indispensável a combinação dos dois.
Essas condições têm sido com frequência desprezadas pelo Executivo. Os temas incluídos nas MPs às vezes são relevantes, mas não urgentes. Outras vezes, não são nem relevantes nem urgentes. Os congressistas poderiam frear os abusos. Segundo a Constituição, "a deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das Medidas Provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais". Portanto, parlamentares têm o poder de rejeitar liminarmente uma MP, sem examinar seu mérito. Mas os congressistas habitualmente seguem outra política. Não só renunciam a um direito, como descumprem uma função importante e assim se tornam cúmplices de abusos.
Fala-se muito, no Brasil, sobre a ânsia legisladora do Executivo e sobre o enfraquecimento do Congresso. Mas esse enfraquecimento é consentido pelos parlamentares, quando não usam seu poder de filtrar pelos critérios constitucionais as MPs enviadas ao Parlamento.
No caso da MP 517, a atuação dos parlamentares foi muito além da mera tolerância aos abusos do Executivo. Os congressistas contribuíram para transformar um texto já monstruoso numa aberração de proporções assustadoras. O costume de reunir assuntos variados e muitas vezes sem nenhuma ligação num único texto legislativo é bem conhecido. Os detalhes mais surpreendentes são às vezes acrescentados discretamente no fim da tramitação. Pratica-se, com isso, uma espécie de contrabando legislativo. Muitas MPs têm sido sujeitas a esse tipo de distorção. A MP 517 é um exemplo muito especial, porque o texto original já era uma aberração. O Congresso apenas completou a obra. Discute-se há tempos uma limitação a mais para as MPs: nenhuma poderá tratar de mais que um assunto. Seria uma inovação salutar para o sistema legislativo.
A MP 517 foi editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 30 de dezembro de 2010, um dia antes do fim de seu mandato. A versão original tinha 22 artigos. Hoje tem 52, graças a entendimentos entre parlamentares e autoridades do Executivo. Quando foi publicada, no fim do ano passado, já tratava de oito assuntos. O mais importante, naquele momento, era a política de financiamentos. O governo precisava criar condições favoráveis à expansão dos financiamentos privados de longo prazo. Seria uma forma de repartir com os bancos particulares uma tarefa cumprida quase exclusivamente pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outras instituições estatais. Mas o texto incluía, além desse tema, incentivos à indústria de informática, estímulos à construção de usinas nucleares, isenções para empreendimentos no Nordeste e na Amazônia. Além disso, a MP original prorrogava por 25 anos a cobrança da Reserva Global de Reversão (RGR) e por um ano o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).
Essa combinação estapafúrdia já era mais do que suficiente para pôr em alerta o Legislativo. Cada providência contida naquele documento poderia ser defensável, mas nem todas caberiam numa única MP. A rigor, talvez nenhuma fosse compatível com esse tipo de instrumento. A Constituição só admite a edição de MPs em casos de relevância e urgência. Não basta um desses atributos. É indispensável a combinação dos dois.
Essas condições têm sido com frequência desprezadas pelo Executivo. Os temas incluídos nas MPs às vezes são relevantes, mas não urgentes. Outras vezes, não são nem relevantes nem urgentes. Os congressistas poderiam frear os abusos. Segundo a Constituição, "a deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das Medidas Provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais". Portanto, parlamentares têm o poder de rejeitar liminarmente uma MP, sem examinar seu mérito. Mas os congressistas habitualmente seguem outra política. Não só renunciam a um direito, como descumprem uma função importante e assim se tornam cúmplices de abusos.
Fala-se muito, no Brasil, sobre a ânsia legisladora do Executivo e sobre o enfraquecimento do Congresso. Mas esse enfraquecimento é consentido pelos parlamentares, quando não usam seu poder de filtrar pelos critérios constitucionais as MPs enviadas ao Parlamento.
No caso da MP 517, a atuação dos parlamentares foi muito além da mera tolerância aos abusos do Executivo. Os congressistas contribuíram para transformar um texto já monstruoso numa aberração de proporções assustadoras. O costume de reunir assuntos variados e muitas vezes sem nenhuma ligação num único texto legislativo é bem conhecido. Os detalhes mais surpreendentes são às vezes acrescentados discretamente no fim da tramitação. Pratica-se, com isso, uma espécie de contrabando legislativo. Muitas MPs têm sido sujeitas a esse tipo de distorção. A MP 517 é um exemplo muito especial, porque o texto original já era uma aberração. O Congresso apenas completou a obra. Discute-se há tempos uma limitação a mais para as MPs: nenhuma poderá tratar de mais que um assunto. Seria uma inovação salutar para o sistema legislativo.
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