terça-feira, 5 de abril de 2011

Bem-vindos ao reino das incertezas - José Paulo Kupfer



Com alguma dose de otimismo, é possível acreditar que a polêmica levantada com a divulgação do último Relatório de Inflação do Banco Central, em março, seja apenas a primeira etapa de uma revisão, também no Brasil, das teorias vigentes aplicadas à política econômica. Esse otimismo relativo se sustenta na observação, crescentemente reconhecida em fóruns internacionais importantes, de que, três anos depois da devastadora crise que sucedeu à implosão dos subprimes, há inúmeras novas questões macroeconômicas sem respostas convincentes e sobre as quais é preciso empreender renovados esforços de reflexão e pesquisa.
Ao redor do mundo, economistas de prestígio no main stream do pensamento econômico, muitos laureados com o Nobel, estão se propondo a repensar algumas construções estabelecidas ao longo do último terço do século passado. Tais construções levaram a um período de prosperidade econômica, com controle da inflação, mas também produziram bolhas, crises sistêmicas, recessões e acentuação das desigualdades sociais. "Os modelos vigentes não foram capazes de prever a crise e muito menos estão sendo capazes de explicá-la", sentenciou Joseph Stiglitz, professor de Columbia e Nobel de 2001.
O FMI, aquele que um dia já foi o gendarme das finanças internacionais, ele mesmo, patrocinou, nos primeiros dias do mês passado, em Washington, um seminário que talvez possa no futuro vir a ser tomado como marco num processo de revisão dos manuais atualmente aceitos. A sombra da constatação de Stiglitz, um dos coordenadores do encontro, pairou nos dois dias de debates que envolveram uma nata do pensamento econômico mundial.
Num texto denso e curto, com menos de mil palavras, Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, procurou resumir o teor das discussões. Suas conclusões apontam um "futuro excitante" para a pesquisa em economia, mas o lançamento do desafio de encontrar novas respostas para novos problemas não deixa de ser um outro lado da decretação quase explícita da falência das formulações hegemônicas até 2008. "Temos muitos instrumentos, mas não sabemos exatamente como utilizá-los", escreveu Blanchard. "Em muitos casos, não temos certeza sobre o que eles são, como e quando devem ser utilizados e se vão ou não funcionar."
Bem-vindos então a um magnífico novo mundo, como classificou Blanchard, em que teorias perdem o status de ciência e se acomodam no balaio das crenças. Nesse reino de incertezas, "há distorções sérias e muito maiores do que pensávamos na macroeconomia", registra Blanchard. A começar da constatação consensual de que, livre da interferência dos governos, o funcionamento dos mercados, sobretudo os financeiros, não evita a formação de bolhas e muito menos é capaz de dissolvê-las por conta própria.
Política monetária e política fiscal, num desdobramento lógico dessas conclusões, devem então ser repensadas. Ambas, segundo os notáveis reunidos pelo FMI, precisam reavaliar os múltiplos instrumentos à sua disposição para ir além das funções a que estiveram até agora restritas. A primeira deve ser capaz de lidar não só com a estabilidade dos preços, mas também com a estabilidade financeira e o crescimento econômico, incorporando medidas macroprudenciais a seus instrumentos. A segunda precisa avançar para algo mais do que limitar suas preocupações a determinar o multiplicador (fator que indica o impacto na economia de mudanças nos gastos públicos ou na tributação) associado à relação entre gastos públicos e receitas.
No Relatório de Inflação que levantou tantas reações negativas, o BC parece sintonizado com essas tendências - até mesmo quando, explicitamente, revela preocupação com os custos de sua ação para o crescimento econômico. É de se esperar que os críticos aceitem o desafio de repensar certezas tornadas porosas pela crise. Eles têm razão em se preocupar com o risco da política do BC, que, se não for bem explicitada e bem executada, pode induzir à avaliação de que a equipe econômica está sendo leniente com a inflação. Mas, risco por risco, pode ser que o de se manter cético frente ao novo jeito emergente de encarar as incertezas econômicas seja tão ou mais pernicioso.
JOSÉ PAULO KUPFER É COLUNISTA DO ESTADAO

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