O Supremo Tribunal Federal (STF) colocou um ponto final na controvérsia que ele próprio vinha alimentando, ao decidir pela esmagadora maioria de 10 a 1 que pertence ao suplente mais votado da coligação, e não ao partido que antes a ocupava, a vaga deixada por um deputado que por qualquer motivo deixe de exercer o mandato. Os ministros expuseram sólidos argumentos para adotar uma decisão jurídica que, como tal, tem que ser respeitada.
Mas essa questão, como muitas que têm chegado à Justiça, é essencialmente política, e deve ser também considerada na perspectiva da reforma cuja discussão está em curso no Congresso Nacional visando ao aperfeiçoamento do sistema eleitoral e partidário. E, ao que tudo indica, um dos únicos pontos dessa complexa questão em torno do qual parece haver um mínimo de consenso é a necessidade de acabar com as coligações nas eleições proporcionais, aberração que só subtrai legitimidade e transparência do processo eleitoral e compromete a consolidação e o aperfeiçoamento dos partidos políticos como instrumentos essenciais à vida democrática.
Deve ficar claro, desde logo, até porque alguns deles manifestaram claramente esse entendimento, que os ministros do STF não votaram a favor das coligações, mas do respeito às leis e às regras que as disciplinam. A relatora do processo, ministra Cármen Lúcia, foi categórica: "A coligação é uma escolha autônoma do partido. A figura jurídica da coligação assume status de "superpartido" e de uma "superlegenda" que se sobrepõe durante o processo eleitoral aos partidos que a integram". Assim, "não seria acertado dizer que vagas pertencem ao partido coligado A ou B, se o coeficiente é calculado pelas coligações". Na mesma direção seguiu o voto o ministro Joaquim Barbosa: "Em caso de coligação não há mais que se falar em partido. A Lei Eleitoral disciplina minuciosamente as coligações, estabelecendo que, quando formadas por dois ou mais partidos políticos, fazem as vezes dos partidos políticos". E o ministro José Antonio Dias Toffoli foi mais direto ainda: "Se esse sistema é o melhor do mundo, se é exótico ou se é uma jabuticaba que só existe no Brasil, isso não vou discutir, mas é o que está fixado na Constituição brasileira". Mesmo votando com a relatora, Gilmar Mendes fez críticas às coligações nas eleições proporcionais, que definiu como uma "prática exótica" que favorece a existência de "partidos de aluguel". Já a ministra Ellen Gracie sustentou que o problema do sistema político partidário "é a total ausência de ideologia nos partidos políticos".
Em dezembro, ao julgar liminarmente outro processo sobre o mesmo assunto, três ministros - Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e a relatora Cármen Lúcia - haviam entendido que as vagas abertas pelo afastamento de deputados pertencem ao partido que as ocupavam, e não à coligação. Para muitos, esse entendimento parecia ser o correto, do ponto de vista político, até por dar guarida a argumentos como o da necessária fidelidade partidária. Mas o Supremo afinal entendeu que não seria assim que garantiria o estrito cumprimento das leis. Daí a surpreendente reversão de votos, chegando a Corte quase à unanimidade. Mas essa decisão não elide o fato de que as coligações nas eleições proporcionais são um pernicioso recurso a que os partidos mais fortes recorrem para conquistar mais tempo no horário de propaganda eleitoral gratuita e os mais fracos perseguem para conquistar maior visibilidade. Só fazem distorcer e falsear a representação.
Diferentemente da coligação nas eleições proporcionais, as coligações nas eleições majoritárias ou aquelas feitas para constituir blocos de governo ou de oposição são instrumentos legítimos em uma democracia. Quaisquer que sejam os sistemas democráticos de governo, eles sempre se legitimam na expressão da vontade da maioria. E as alianças partidárias em torno de questões programáticas, amplas ou pontuais são práticas naturais e necessárias à definição dos rumos de uma sociedade que se governa com base em fundamentos democráticos. Coligação em eleição proporcional nada tem a ver com democracia.
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