sábado, 12 de dezembro de 2009

STF não julgou caso Estadão

POR Túlio Vianna
Ontem à noite, quando eu li que o STF arquivou a reclamação proposta pelo Estadão contra proibição de veicular matérias sobre Fernando Sarney, eu cantei a bola no Twitter:

Notem: não foi julgado o mérito da ação do Estadão. O STF entendeu que o meio processual usado pra discutir a questão foi inadequado.

Não deu outra, hoje não só o Estadão estava reclamando da “censura” do STF, mas também a Folha de São Paulo avalizava acriticamente o discurso do seu concorrente contra a decisão do STF. No Brasil, o discurso da mídia é tão homogêneo que mesmo quando o concorrente está com a faca e o queijo na mão para fazer um contraponto crítico à notícia veiculada no outro jornal, a tradição fala mais alto e é sempre mais do mesmo. O leitor que escolha seu jornal predileto pela diagramação, pois não será justamente na abordagem da notícia que eles vão divergir.

Como a Folha não se deu ao trabalho de contrapor a notícia divulgada por seu principal concorrente, fá-lo-ei eu, então.

Toda decisão em um Tribunal é composta por dois momentos distintos: o primeiro é um juízo de admissibilidade, no qual o tribunal analisa se aquele recurso é ou não adequado para resolver aquele caso; o segundo é a análise da questão propriamente dita, o que em juridiquês chamamos de mérito.

No julgamento da reclamação do Estadão, o STF não chegou a analisar o mérito (se é censura ou não), pois entendeu que o instrumento processual utilizado pelos advogados do Estadão não era adequado para discutir a questão. O Estadão poderá voltar a recorrer ao STF para discutir a questão, desde que usando os recursos processuais adequados para que seu recurso seja conhecido (apreciado pelo STF).

É bom que se frise que os mesmos ministros que não conheceram da reclamação interposta pelo Estadão poderão votar favoravelmente ao mérito da causa, desde que o jornal recorra pelos meios adequados. Em um eventual novo recurso, o Estadão pode sair vitorioso, inclusive com a unanimidade dos votos dos ministros.

Muitos dirão: “mas é um formalismo jurídico absurdo este adotado pelo STF”, “o STF foi burocrático demais, devia ter decidido logo”, “o tecnicismo do STF atrasa o julgamento do mérito” e outras críticas do gênero. Já imaginaram, porém, se o STF resolvesse julgar o que, nas palavras do próprio Estadão, foi um “atalho à instância máxima do Judiciário para não ter que aguardar a tramitação complexa dos recursos” de todo mundo que não estivese com paciência para aguardar na fila? Você gostaria de saber que seu processo em tramitação há anos no STF ainda não foi julgado porque o tribunal tem apreciado muitas reclamações sobre liberdade de imprensa de jornais impacientes com o tamanho da fila? Disse e repito:

Tem um bocado de gente presa (muitos inocentes, inclusive) aguardando julgamento no STF. Por que o Estadão poderia furar fila?

O STF é lento para todo e qualquer cidadão brasileiro. Não será com um “jeitinho processual” para agradar a mídia e a seus leitores que resolveremos o problema da ausência de celeridade na Suprema Corte. Muito pelo contrário. Se o STF tivesse aceitado discutir o caso do Estadão por esta via processual, todo e qualquer caso versando sobre liberdade de imprensa poderia, em tese, passar a ser discutido pela mesma via. Seria razoável priorizar este tipo de caso, mesmo em detrimento do julgamento de réus presos?

Notem que não há aqui qualquer crítica ao Estadão e aos seus advogados por terem tentado este recurso processual. Todo mundo pode e deve pedir ao judiciário a solução que considera mais justa e rápida para o seu caso. Cabe ao judiciário decidir se vai julgar o pedido feito naqueles termos ou não dentro de regras previamente definidas que não priorize a solução de casos sobre outros sem uma boa justificativa.

A crítica aqui está no discurso de que “o STF manteve a censura ao Estadão”. Não manteve, pois não analisou. E não analisou, pois não aceitou o atalho processual tomado pelo Estadão e mandou o jornal pro fim da fila como todo e qualquer cidadão.

Se querem reclamar do STF por esta decisão, chamem-no de formalista, burocrático ou devagar quase parando. Só não digam que manteve a censura, pois o mérito sequer foi analisado.

Tulio Viana - Professor de Direito Penal, Doutor (UFPR) e Mestre (UFMG) em Direito. Tem dois livros e uma penca de artigos publicados em revistas jurídicas nacionais e estrangeiras. http://tuliovianna.wordpress.com/

Um comentário:

  1. Nossa, finalmente alguém assistiu ao julgamento e reportou o que de fato ocorreu!
    Parabéns pelo excelente texto.

    ResponderExcluir