'Ando com minha malinha para um lugar e outro', diz denunciante do caso Santo André
Fausto Macedo - O Estado de S.Paulo
Rosângela Gabrilli, que denunciou à promotoria o esquema de propinas na administração Celso Daniel (PT) - prefeito de Santo André morto em 2002 -, vai por aí, sem rumo certo. "É cada hora em um lugar. Ando com minha malinha para um lugar e para outro."
Na sexta-feira ela conversou por telefone com a reportagem do Estado, de algum ponto do País que não quis indicar. Como diz, isolou-se, "tamanha a frustração e a decepção com tudo".
"Tudo", ela resume, "são as autoridades, os políticos". Exclui desse rol o Ministério Público, os promotores do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado que a acolheram quando Celso Daniel foi eliminado. Soube da condenação de Marcos Roberto Bispo dos Santos, apontado como integrante do grupo que sequestrou e fuzilou o petista. Dezoito anos em regime fechado foi a pena que o júri popular decretou na quinta-feira para o réu, o primeiro de sete acusados.
"É um alívio, principalmente por constatar que a Justiça começou a ser feita", declarou Rosângela. "Há anos estava apreensiva por qualquer coisa que acontecesse. Quando o julgamento foi marcado minha esperança foi muito grande. Uma hora, afinal, tinha que acontecer. É uma vitória importante, mas temos outros passos pela frente."
Quando os bandidos crivaram de balas o prefeito, Rosângela criou coragem e tornou de conhecimento geral os métodos de uma organização que se apossou de setores da gestão municipal. "Uma corja de malfeitores alojada na administração petista", nas palavras do promotor Francisco Cembranelli.
O pai dela, empresário Luiz Alberto Ângelo Gabrilli, de 75 anos, é um homem doente. Praticamente perdeu a voz, e mal consegue se movimentar - consequências do trauma, sustos e desgostos. "Papai ficou assim depois que perdemos a Expresso Nova Santo André", conta Rosângela. "Foi quando meu pai caiu em si de que havia sido enganado, ludibriado por essa turma toda." Restou a Expresso Guarará, da qual Rosângela foi diretora por 16 anos.
"Contribuição". Em 1997, ela depõe, a prefeitura convocou uma reunião a portas fechadas com os empresários do transporte público de Santo André. O início da trama. Daquele encontro, afirma Rosângela, participou Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, guarda costas e amigo de Celso Daniel - para o Ministério Público, Sombra foi o mandante do assassinato do prefeito que teria se insurgido contra a corrupção ao constatar que o dinheiro não ia apenas para o caixa do PT, mas também para o bolso de aliados. Roberto Podval, defensor de Sombra, afirma que ele não tem envolvimento com o caso.
"Ali foi determinada a contribuição mensal, os valores da extorsão para campanhas do PT", relata Rosângela. "Na reunião com os empresários foi estipulado um valor por ônibus. A propina variava por empresa, conforme aumentava a tarifa ia aumentando esse valor por ônibus."
Os pagamentos se sucederam até dezembro de 2001 - em janeiro do ano seguinte, Celso Daniel foi executado. "Era todo dia 30", ela afirma. "Sete empresas eram forçadas a contribuir."
Gabrilli não suportava aquela obrigação de contribuir com a corrupção e a resistência lhe custou caro. Vieram exigências contratuais, condições que golpearam o empresário e seus negócios. "Tivemos que construir um terminal na Vila Luzita", diz Rosângela. "Foi uma imposição do contrato de concessão. O problema é que a gente cumpria tudo, quem não cumpria era a prefeitura. A gente comprava ônibus novo para repor a frota, mas a administração não deixava pôr na rua. Não liberava."
"A gente tinha que entrar com mandado de segurança para colocar ônibus novo em circulação", ela conta. "Nunca vi isso. Em lugar nenhum empresário compra ônibus e não consegue pôr na rua. Não foi uma vez, foram duas vezes que recorremos à Justiça. Fomos colocados para fora."
Quando Celso Daniel foi eliminado, Rosângela apelou à promotoria e contou sua história, que resultou na abertura de muitas ações judiciais contra os antigos parceiros do petista, hoje réus por improbidade. Ela repudia o fato de nenhuma dessas ações ter chegado ao seu final. "É desestimulante, são oito anos já. É doído ver o quanto demora para as coisas acontecerem nesse País. Difícil aceitar uma lentidão tão grande em um caso importante e com provas tão cabais."
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