O Estado de S.Paulo
O parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), que restringe o poder da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de analisar os pedidos de direito de propriedade intelectual sobre medicamentos - portanto, com influência na liberação de genéricos -, deve ser considerado dentro do quadro mais amplo da ação dessa agência em relação a vários outros produtos, a qual tem sido objeto de severas críticas, nos últimos anos, da parte de associações empresariais e entidades como o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).
Assinado pelo advogado-geral da União, Luís Adams, aquele documento define com maior precisão, no caso dos remédios, as atribuições da Anvisa e do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), entre os quais existem fortes divergências a respeito dessa questão. Elas começaram há dez anos, quando a Anvisa foi autorizada a também opinar sobre a cessão de patentes de remédios, a chamada anuência prévia. O Inpi, que é órgão técnico especializado na questão das patentes em geral, sempre viu nisso uma forma de intervenção em seu trabalho.
Decidiu a AGU que a anuência prévia deve considerar a análise de um só quesito - o possível risco oferecido pelo medicamento em questão. Antes, a Anvisa levava em conta outros três quesitos - novidade, atividade inventiva e propriedade intelectual -, cuja análise volta a ser atribuição do Inpi, como este sempre insistiu que deveria ser.
Tanto o temor manifestado por algumas ONGs - de que a medida dificulte a entrada de novos medicamentos genéricos no Brasil - como a opinião de um alto funcionário da Anvisa, segundo o qual ela favorece a indústria farmacêutica, não parecem procedentes. "Gostaria apenas de saber qual o interesse da AGU em fazer essa alteração. Ela não atende a interesses da população nem mesmo do governo. Ela comunga apenas com o interesse de parte das indústrias farmacêuticas", afirmou o coordenador de Propriedade Intelectual da Anvisa, Luís Wanderley Lima.
Há aí uma insinuação da maior gravidade quanto à lisura da AGU, pela qual o sr. Lima pode ser chamado às falas. Depois, nada lhe permite colocar em dúvida a competência do Inpi, quando afirma ter a Anvisa "critérios mais rigorosos" para a análise de pedidos de direito de propriedade intelectual. Afinal, é o Inpi, não a Anvisa, o órgão técnico da administração federal para tratar dessas questões. Além disso, os números falam contra a Anvisa. Em 1.596 pedidos aprovados pelo Inpi, houve divergência com a Anvisa em apenas 145. Nada que justifique a reação do funcionário da Anvisa.
A explicação para esse tipo de atitude parece estar na indevida amplitude das atribuições que a Anvisa julga serem as suas. Além de querer atropelar o Inpi no caso dos medicamentos, seu avanço em setores como o das características de certos alimentos e a publicidade destes e de algumas bebidas vem sendo contestada com crescente veemência pelo setores atingidos.
No ano passado, a Anvisa baixou resolução com regras mais rígidas para a publicidade de alimentos com altos teores de gordura, açúcar ou sódio. O mesmo documento determinava também que a publicidade de determinados alimentos e bebidas com baixo teor nutritivo viesse acompanhada de mensagens de advertência sobre males à saúde que eles podem causar, quando consumidos em excesso.
O Conar - que tem longo histórico de bem-sucedida ação contra excessos na publicidade - logo reagiu, alegando que a Anvisa não tem competência para impor restrições à propaganda de produtos. E a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação afirmou, com razão, que o consumo excessivo de nutrientes é "reflexo de hábitos alimentares da população", nada tendo a ver com a composição dos produtos industrializados.
Felizmente, as exorbitâncias da Anvisa - que só prejudicam a relevante tarefa que tem a cumprir - começam a ser contidas. A AGU parece disposta a pôr um freio também nos excessos da Anvisa no caso dos alimentos e bebidas.
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