Míriam Leitão
Ficou claro ontem que a conciliação entre as agendas ambiental e econômica é inescapável. O Brasil é grande produtor de alimentos e continuará sendo, mas os produtores acham que isso só pode ser feito se mudar a lei em vigor. O país precisa de energia limpa, mas todo o processo de construção da usina de produção de energia tem que ser limpo também.
Se a proposta de mudança do Código Florestal apresentada pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e aprovada na Comissão criada especificamente para isso, tivesse procurado uma conciliação, não teria provocado a reação que provocou. Rebelo tomou apenas um lado, isso está explícito no estapafúrdio relatório que apresentou e nas teses que defendeu.
Em Belo Monte, o governo tem que aumentar a transparência. Em todas as áreas. Tem que ficar mais claro o processo de licenciamento, a composição do consórcio que vai construir, o cálculo financeiro, os estudos geológicos, os impactos ambientais e sociais do empreendimento. Só é limpa a energia que é construída de forma limpa também. Nem toda hidrelétrica é boa, como bem sabemos. Portanto, em vez de ficar ofendido com o pedido da Organização dos Estados Americanos (OEA) — instituição da qual o Brasil faz parte — é melhor responder com dados e fatos às dúvidas levantadas. Não são apenas da OEA, são de brasileiros também.
Na proposta de mudança do Código Florestal, o governo está dividido, o país está dividido, o próprio relator do projeto outro dia descobriu que “o problema ambiental de fato existe, não é invenção de ONG.” A nova proposta reduz as Áreas de Preservação Permanente em beiras de rios e encostas num momento em que a preocupação tem que ser exatamente a oposta. Propõe uma anistia para quem desmatou ilegalmente até 2008. As mudanças propostas foram criticadas pelas duas mais importantes entidades que representam os cientistas nacionais: a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Já o senador Blairo Maggi (PR-MT) quer que o projeto que altera a legislação florestal brasileira seja votado imediatamente. Só isso vindo de quem vem recomenda que se faça o oposto, que se tenha cautela.
O Brasil é competitivo na maioria das culturas que produz e exporta. Mas mais competitivo seria se agregasse à marca Brasil o selo do respeito ao meio ambiente. Aumenta no país a preocupação ambiental, tanto que hoje já há redes de supermercados que oferecem aos seus clientes informações de procedência da carne para que eles saibam que não estão consumindo produto sujo de origem.
Nos dois casos que estavam em polêmica, ontem, o Brasil parece estar preferindo o caminho do retrocesso, a rota oposta ao que indicaria o bom senso. É claro que é preciso mais e não menos proteção ao meio ambiente; é claro que energia limpa tem que estar preocupada em transparência em todas as etapas do processo de construção de uma usina.
No Ibama, já ocorreram quatro demissões para que saísse a licença de Belo Monte. O órgão não decidiu ainda se ela pode ser construída, ou seja, não foi liberada a licença de instalação, mas foi dada licença para construir o canteiro de obra. Um clássico da carroça adiante dos bois. Como se pode fazer o canteiro de uma obra que não se sabe se será autorizada? Isso é uma confissão de que o processo de licenciamento é para inglês ver.
O governo nega qualquer problema com os índios, dizendo que não vai alagar terra indígena. Mas não conta que para a obra serão construídos canais que vão alterar o curso de águas na Grande Volta do Xingu. Inundar não inunda, mas tira a água de tribos e ribeirinhos.
Há cientistas que dizem que durante a vida útil da usina o regime hidrológico dos rios amazônicos vai mudar muito, o que significa que hoje a usina construída com uma potência de 11.000 MW, e que irá na verdade produzir pouco mais de quatro mil, chegando em alguns momentos a dois mil, pode produzir ainda menos no futuro.
O custo da usina era de R$ 19 bilhões nos cálculos iniciais, mas já está em R$ 26 bilhões e ninguém acredita que fica só nisso. Os estudos de impacto ambiental foram atropelados pela Casa Civil no ano passado com uma interferência tão direta que ficou registrado em documentos oficiais — eu os publiquei aqui. Por isso, há muita incerteza de qual será de fato o impacto, sobre a solidez dos estudos geológicos no local. É aqui no Brasil que se tem muitas dúvidas, por que no exterior não haveria? Mas são principalmente as nossas dúvidas que precisam ser sanadas. O Brasil acabou de ver no Rio Madeira em que pode dar o atropelo no processo de planejamento de uma obra na Amazônia.
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