terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Governo não deixou uma válvula de escape, diz engenheiro egípcio



No Brasil desde 1974, Hosni Mohamed diz que pobreza, corrupção e repressão agravaram a situação no Egito

Yannis Behrakis/Reuters
Yannis Behrakis/Reuters
Atenção. Soldados fazem guarda de área perto das pirâmides no Cairo:
 estratégia dos EUA é observar evolução de protestos
Lourival Sant?Anna - O Estado de S.Paulo
Hosni Mahmoud Mohamed fala de seu xará, o presidente do Egito, no passado: "Mubarak não tinha habilidade para administrar um país, não tinha jogo de cintura nem entendia as necessidades do povo." De volta das férias em seu país, Mohamed considera a queda do ditador iminente. Os motivos para a revolta dos egípcios são, na sua visão, o empobrecimento da maioria conjugado com o enriquecimento dos governantes, a falta de serviços públicos e de empregos em contraste com a corrupção visível.
"Os egípcios são um povo pacífico, que preza muito a estabilidade, não são exigentes nem ambiciosos", descreve Mohamed, de 70 anos, formado em engenharia na Universidade de Assiut, que trocou o Egito pelo Brasil em 1974. "Foi a primeira vez que os egípcios saíram às ruas espontaneamente, não seguindo um líder." A razão disso, para o engenheiro especialista em energia, que trabalhou na Siderúrgica do Cairo, é física. "O governo colocou pressão demais, sem deixar uma válvula de escape. A única saída era a explosão."
Fazia 16 anos que Mohamed não voltava a seu país e conta ter ficado espantado com a deterioração. "Por todos os lugares que você anda, encontra lama e lixo. Não o lixo que não foi recolhido no dia, mas lixo acumulado durante anos. As favelas brasileiras são organizadas em comparação com as do Egito."
Para ele, a sensação geral é a de que os governantes abandonaram inteiramente a gestão do país, para dedicar-se ao próprio enriquecimento e a manutenção no poder. "A polícia, o Exército e a Força Nacional (polícia política) só servem para reprimir o povo. O Estado tem medo do povo, e o povo tem medo do Estado."
Mohamed, que ficou no Egito de 28 de dezembro a 22 de janeiro, estava lá quando eclodiram as manifestações na Tunísia contra o ditador Zine El Abidine Ben Ali. Sua queda, no dia 14, depois de 23 anos no poder, serviu como "faísca" no Egito, diz Mohamed.
Segundo ele, antes dos eventos na Tunísia, a impressão era a de que Mubarak, há 30 anos no poder, cairia antes de Ben Ali. "A situação era muito precária", disse. Não era possível fazer negócios no Egito sem passar por Gamal, filho de Mubarak, diz o engenheiro. O fato de o presidente prepará-lo para ser seu sucessor parece ter representado o ultraje final. "Mubarak agia como se fosse dono do país."
Ao longo de 30 anos, Mubarak impediu o crescimento da oposição e, por isso, não há líderes políticos. Mohamed ElBaradei, ex-secretário-geral da Agência Internacional de Energia Atômica, passou tempo demais longe do país. Amr Moussa foi chanceler e, como todo ex-integrante do governo Mubarak, é visto com suspeição.
Mohamed considera que a Irmandade Muçulmana pode assumir o poder, em caso de eleições, mas não vê motivo para os EUA e outros países ocidentais temerem a sua ascensão. "Eles estão dispostos a negociar", acredita Mohamed, que trabalha como assessor na Sociedade Beneficente Muçulmana, em São Paulo, mas faz questão de frisar que fala como cidadão egípcio, e não em nome da entidade.
Fraudes. Mohamed reconhece que nunca houve democracia no Egito. Ele se lembra das cédulas já preenchidas e dobradas que os eleitores recebiam, apenas para depositar na urna, com o "sim" marcado embaixo da pergunta sobre se aprovavam ou não a eleição de um candidato único.
No entanto, ele acha que, se os EUA e o Ocidente quiserem que o Egito se torne realmente estável, devem incentivar sua democratização. "Sairia muito mais barato do que dar US$ 1,5 bilhão ao ano para o regime de Mubarak comprar armas", ironiza. 


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