Kátia Abreu - O Estado de S.Paulo
O Brasil orgulha-se hoje de ser uma economia estável e forte, que consegue crescer de modo sustentável a taxas elevadas e ao mesmo tempo distribuir renda, incorporando largos contingentes de população ao mercado de consumo e a padrões mais civilizados de bem-estar material. Olhando para trás, para tantas décadas de instabilidade, de surtos breves e logo frustrados de crescimento, temos de reconhecer que vivemos uma grande transformação.
O que tornou possível essa transformação? Tivemos vários momentos de crescimento, que não duravam muito. Após poucos anos, o crescimento provocava inflação, pois a oferta interna, especialmente de alimentos, não era capaz de acompanhar o aumento da demanda induzida pelo crescimento da renda. Mais grave era o outro problema, o cambial.
Diante da inflação sem controle e do desequilíbrio cambial, a única política possível era conter o processo de crescimento, para aliviar as pressões sobre os preços e sobre o déficit externo. Assim, voltávamos à estagnação econômica, embora a população continuasse crescendo e a imensa maioria vivesse na pobreza.
Para crescer sem interrupções seria necessário superar o limite de nossa capacidade para importar. Financiar indefinidamente o déficit cambial com financiamento externo não seria sustentável. Por termos tentado este caminho, incorremos em várias crises de endividamento e chegamos à moratória. Era preciso encontrar um meio realista de elevar a receita cambial.
Como sabemos hoje, no Brasil só a agricultura e a pecuária podiam realizar essa tarefa. Mas ninguém pensava nisso seriamente. Afinal, a produção rural brasileira crescia pouco e não éramos, de fato, até 1970, sequer capazes de atender ao abastecimento interno. Além do mais, a sabedoria convencional de então ditava que o desenvolvimento econômico significava o aumento da produção industrial e o encolhimento relativo da produção rural.
Apesar disso, a partir dos anos 70, teve início uma silenciosa revolução no campo brasileiro. Novas gerações de produtores rurais começaram a emergir, muitos deles abrindo novas fronteiras agrícolas ou transformando os modos de produzir nas fronteiras já estabelecidas. Esses novos agricultores romperam com as formas tradicionais de produção, apropriaram-se do conhecimento acumulado nas universidades rurais e na nova Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e trouxeram para a produção rural a disposição de assumir riscos e a compulsão do crescimento.
A ação destes novos empreendedores transformou em pouco tempo a produção rural brasileira, tornando-a em poucas décadas a segunda maior do mundo em escala e diversidade de produção e a primeira e única grande agricultura em área tropical.
Os números dessa revolução são impressionantes. Em 1965, antes do início desse processo, a produção brasileira de grãos era de 20 milhões de toneladas, para uma população de 80 milhões de habitantes, portanto, uma produção de 250 kg de grãos por habitante. Em 2008 a produção de grãos chegou a 144 milhões de toneladas, para uma população de 190 milhões de habitantes, o que representa uma produção per capita de 758 kg. A produção total cresceu 7 vezes, mas a área de plantio, que era de 21 milhões de hectares em 1965, passou para apenas 48 milhões de hectares em 2008, apenas 2,5 vezes mais. A produção de carnes, em 1965, era de 2,1 milhões de toneladas, o equivalente a 25 kg por habitante por ano. Em 2006 a produção alcançou 20 milhões de toneladas, o equivalente a algo como 100 kg por habitante/ano. A produção total aumentou dez vezes, mas as áreas de pastagens cresceram apenas 15%.
Esses gigantescos aumentos de produção e de produtividade mudaram a história da economia brasileira. Essa agricultura altamente produtiva e de grande escala conquistou os mercados externos e passou a gerar grandes superávits no balanço de pagamentos, dada a sua pequena dependência de importações. Entre 1994 e 2009, o agronegócio acumulou um saldo comercial com o exterior de US$ 453 bilhões. No mesmo período, o saldo comercial total do Brasil foi de US$ 255 bilhões. Significa que, sem a contribuição das exportações do agronegócio, o Brasil teria incorrido num déficit comercial de US$ 198 bilhões, praticamente o valor das reservas cambiais do País no final do ano passado. Não fora a contribuição do agronegócio, o País estaria vivendo gravíssima crise cambial e a história do nosso crescimento recente teria sido muito diferente.
Outro efeito dessa revolução no campo foi a persistente queda no custo da alimentação no mercado interno. Os professores José Roberto Mendonça de Barros e Juarez Rizzieri mostraram, em pesquisa, que o custo no varejo de uma ampla cesta de alimentos na cidade de São Paulo caiu pouco mais de 5% ao ano, em termos reais, entre 1975 e 2005. Uma queda dessa dimensão só foi possível pelos aumentos impressionantes da produção e da produtividade no campo. E, em decorrência, as classes de renda média e baixa não apenas puderam consumir mais e melhores alimentos, como elevaram seu poder de compra de produtos industriais. Assim, o efeito da queda dos preços agrícolas é mais importante que as transferências de renda para explicar a melhoria do padrão de vida das populações mais pobres.
O Brasil que se desenvolve hoje e se projeta no mundo como uma economia dinâmica e moderna é um País construído a partir da agricultura e da pecuária. E continuará sendo, no futuro, sem estar por isso condenado ao atraso e à pobreza, como vaticinavam no passado. Mas para isso é necessário que o Brasil valorize o agricultor e o pecuarista, que foram os agentes dessas transformações, dando-lhes o realce merecido e poupando-os dos preconceitos que sobrevivem às evidências da realidade.
SENADORA DA REPÚBLICA (DEM-TO), É PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA)
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