Na terça-feira da semana passada, 68 chanceleres se reuniram em Cabul, a capital afegã, para a 10.ª conferência dos países que de alguma forma contribuem para a guerra deflagrada em fins de 2001 pelos Estados Unidos e os seus parceiros da Aliança Atlântica contra o Taleban e a Al-Qaeda sob sua proteção, responsável pelos atentados do 11 de Setembro. Contrastando com o discurso do presidente Hamid Karzai, que falava do radioso futuro do seu país, "como se a guerra não existisse", segundo um diplomata, o clima era sombrio.
O pessimismo sobre os rumos do conflito e a viabilidade de um Paquistão capaz de enfrentar por si só a insurgência fundamentalista foram reconhecidos pela secretária de Estado Hillary Clinton. "Cidadãos de muitas nações aqui representadas, incluindo a minha própria", observou, "se perguntam se existe aqui alguma chance de sucesso - e, existindo, se nós outros estamos dispostos a alcançá-lo." Apenas cinco dias depois, os cidadãos de que ela falava ficaram sabendo que a situação no país é muito pior do que admitiam os governos engajados na guerra e até do que informava a imprensa.
Numa operação sem precedentes, pelo menos 91.731 sigilosos documentos militares e de órgãos de inteligência sobre o Afeganistão foram copiados dos computadores em que estavam armazenados e remetidos ao site WikiLeaks. Criado pelo australiano Julian Assange em 2007, baseado na Suécia e muito conhecido nos Estados Unidos, sua especialidade é divulgar documentos secretos de presumível interesse público, enviados por seus leitores. Desta vez, compartilhou o material recebido com o New York Times, o Guardian, de Londres, e a revista alemã Der Spiegel.
O resultado veio à luz domingo, depois de semanas de análise dos textos, produzidos entre 2004 e 2009, e da decisão conjunta de retirar deles nomes de informantes e outros dados capazes de pôr vidas em risco ou prejudicar ações antiterroristas. Por isso, 15 mil documentos deixaram de ser publicados. Ainda assim, a Casa Branca considerou o vazamento uma "ameaça à segurança nacional" americana. O que saiu foi mais do que suficiente para confirmar o fracasso militar, político, estratégico e moral da empreitada afegã na era Bush - o que não parece ter mudado sob Barack Obama.
Na realidade, os arquivos divulgados não contêm nenhuma revelação bombástica, daquelas que derrubam governos. E, reduzidos a pele e ossos, não trazem nenhuma novidade. Mas a formidável massa de detalhes expostos sobre o dia a dia da guerra, por sua riqueza assombrosa, confirma de forma incontestável as piores suspeitas: a guerra não enfraqueceu, mas fortaleceu o Taleban; embora o Paquistão receba US$ 1 bilhão por ano para ajudar a combater os insurgentes, o seu temível serviço secreto militar, o ISI, os treina para enfrentar os EUA; os esforços para conquistar as simpatias dos afegãos são um fiasco.
Além disso, a morte de civis desarmados, deliberada ou por indiferença das tropas, e o acobertamento dos incidentes excedem de longe o que se conhecia. As forças americanas criaram um esquadrão para localizar, interrogar e assassinar os afegãos suspeitos de terrorismo incluídos em listas preparadas arbitrariamente e, claro, sem supervisão judicial. Pelo menos 195 pessoas foram eliminadas em condições que configuram crimes de guerra. Até agora, Washington não desmentiu nada do que se publicou. E Karzai, o presidente afegão, fez saber que os documentos descrevem adequadamente o que ocorre no país.
O efeito imediato do vazamento será intensificar as pressões pela retirada das tropas. Não é de excluir que o presidente Obama antecipe a revisão do esforço militar no Afeganistão, prevista para dezembro. (Em dezembro passado, ele anunciou a sua estratégia de contrainsurgência e o envio de mais 30 mil soldados ao país.) A verdade, como confidenciou uma alta fonte, é que "não sabemos como reagir". Isso vale também em relação ao jogo duplo do Paquistão - aliado infiltrado de inimigos, do qual os EUA não podem prescindir. A "guerra por necessidade", como diz Obama, está ficando pior do que a "guerra por escolha" no Iraque.
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