A Lei Complementar n.º 135/2010, conhecida como a Lei da Ficha Limpa, já impacta as eleições brasileiras com uma série de postulados inovadores, cujas premissas são facilmente percebidas por todos os níveis da sociedade, menos por uma minoria que ainda não compreendeu o momento.
Interpretar o Direito Eleitoral segundo princípios do Direito Penal constitui erro primário. Logo o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmará os seus precedentes e reafirmará que inelegibilidade simplesmente não é pena (MS n.º 22.087-2). Trata-se de critério jurídico-político instituído para orientar o responsável pelo registro da candidatura segundo presunções explicitamente autorizadas pelo parágrafo 9.º do artigo 14 da Constituição da República.
Nenhuma inelegibilidade se baseia na existência de culpa. Ao cônjuge de mandatário, ao analfabeto e ao que não se desincompatibilizou tempestivamente não se atribui o cometimento de nenhum ilícito. Mas são inelegíveis porque as normas consideram tais candidaturas inconvenientes. O mesmo ocorre agora com os condenados por tribunais: é irrelevante indagar se são ou não culpados, sendo suficiente para a incidência do critério a presença desse dado objetivo que é o acórdão condenatório.
Critério não retroage, aplica-se a partir de certo momento. Nas eleições de 2010 vigorarão os novos critérios desenhados pela Lei da Ficha Limpa. Serão, sim, alcançados fatos pretéritos, não para a aplicação de uma pena, mas para a verificação da incidência de um critério. Nada disso é surpreendente para os conhecedores do Direito Eleitoral.
Trata-se, na verdade, de uma noção jurídica elementar. Todas as democracias consolidadas conhecem limitações a candidaturas. Em algumas as restrições são duríssimas, como ocorre com os felons nos Estados Unidos. O cientista político David Fleischer, comentando o que ocorre nos Estados Unidos, disse certa vez que, "se um candidato for condenado em primeira instância, os partidos vão tratar como se fosse uma lepra, uma praga". Na Espanha, pessoas que praticaram crimes de terrorismo ficam inelegíveis já após a sentença de primeiro grau. Muitos outros exemplos poderiam ser citados.
O certo é que nenhuma democracia sobrevive à intrusão do crime organizado na seara política. Nas eleições majoritárias isso ocorre de forma mais rara. Mas em nosso sistema eleitoral personalista - em que os partidos políticos exercem papel de meros coadjuvantes - as eleições proporcionais se converteram em porta fácil para a conquista do poder político, com todas as suas salvaguardas, dentre as quais o injustificável foro privilegiado.
Embora os realmente envolvidos em práticas delituosas - tais como desvio sistêmico de verbas públicas, narcotráfico, lavagem de dinheiro - sejam minoria, exercem grande influência nas Casas Legislativas, onde atuam como fiéis da balança na disputa hegemônica entre maioria e minoria.
Vendendo cara a sua adesão, seu número basta para influir sobre o Orçamento e sobre sua execução de modo a comprometer a higidez das contas públicas e do planejamento, contribuindo para a inviabilização do trâmite de projetos de lei estratégicos, como os relativos às reformas eleitoral e tributária. É o que se chama de "captura de governo", fenômeno que seguirá comprometendo a gestão pública enquanto não for contornado de modo satisfatório. Essa captura, sim, é profundamente antidemocrática e inconstitucional. Não é a esse desajuste que dá suporte a nossa Constituição, inspirada, inversamente, por noções como publicidade, impessoalidade, economicidade, moralidade e probidade administrativas.
Foi essa a leitura que embalou a Campanha Ficha Limpa. Ela está viva entre as dezenas de organizações que integram o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Além disso, representa o ideário de uma teia social complexa e inovadora que permeia novos movimentos sociais comprometidos com um modelo de País, sem dívidas com nenhuma ala ou partido.
Mas não tenho dúvida de que muitos outros segmentos, dentre os quais trabalhadores, profissionais liberais e empresários dos setores que embalam a nova economia brasileira, têm interesse na consolidação desse entendimento. Isso se aplica indistintamente a todos os interessados na aplicação de modelos de governança baseados na representação efetiva dos diversos estratos sociais, no planejamento estratégico das políticas públicas, no desenvolvimento pautado pela sustentabilidade e na estrita observância a parâmetros de responsabilidade e transparência.
A Ficha Limpa é um passo importante nessa direção, convidando à sedimentação de uma representatividade política mais compatível com as aspirações internas e externas de um país que evolui tão acertadamente em outros campos. Apenas um Parlamento formado por uma representação adequada poderá constituir a grande mesa de diálogo em torno da qual se consolidarão as ideias de democracia e República de que depende o nosso futuro.
Essa conquista é, portanto, daquelas que reclamam continuidade. Ela demanda a permanência da mobilização até o completo desfazimento do ciclo que atravanca nossa institucionalidade política, o qual só será mais diretamente enfrentado quando o Congresso Nacional, finalmente, se convencer do caráter inadiável da reforma do vigente sistema eleitoral.
Que venha, então, a nova iniciativa popular de projeto de lei. Desde que a sociedade civil possa alcançar consensos rumo à construção de um projeto sólido, poderá defrontar-se com as principais mazelas que reduzem a qualidade da nossa representação: a debilidade dos partidos, o clientelismo e a mercantilização das campanhas eleitorais.
Interpretar o Direito Eleitoral segundo princípios do Direito Penal constitui erro primário. Logo o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmará os seus precedentes e reafirmará que inelegibilidade simplesmente não é pena (MS n.º 22.087-2). Trata-se de critério jurídico-político instituído para orientar o responsável pelo registro da candidatura segundo presunções explicitamente autorizadas pelo parágrafo 9.º do artigo 14 da Constituição da República.
Nenhuma inelegibilidade se baseia na existência de culpa. Ao cônjuge de mandatário, ao analfabeto e ao que não se desincompatibilizou tempestivamente não se atribui o cometimento de nenhum ilícito. Mas são inelegíveis porque as normas consideram tais candidaturas inconvenientes. O mesmo ocorre agora com os condenados por tribunais: é irrelevante indagar se são ou não culpados, sendo suficiente para a incidência do critério a presença desse dado objetivo que é o acórdão condenatório.
Critério não retroage, aplica-se a partir de certo momento. Nas eleições de 2010 vigorarão os novos critérios desenhados pela Lei da Ficha Limpa. Serão, sim, alcançados fatos pretéritos, não para a aplicação de uma pena, mas para a verificação da incidência de um critério. Nada disso é surpreendente para os conhecedores do Direito Eleitoral.
Trata-se, na verdade, de uma noção jurídica elementar. Todas as democracias consolidadas conhecem limitações a candidaturas. Em algumas as restrições são duríssimas, como ocorre com os felons nos Estados Unidos. O cientista político David Fleischer, comentando o que ocorre nos Estados Unidos, disse certa vez que, "se um candidato for condenado em primeira instância, os partidos vão tratar como se fosse uma lepra, uma praga". Na Espanha, pessoas que praticaram crimes de terrorismo ficam inelegíveis já após a sentença de primeiro grau. Muitos outros exemplos poderiam ser citados.
O certo é que nenhuma democracia sobrevive à intrusão do crime organizado na seara política. Nas eleições majoritárias isso ocorre de forma mais rara. Mas em nosso sistema eleitoral personalista - em que os partidos políticos exercem papel de meros coadjuvantes - as eleições proporcionais se converteram em porta fácil para a conquista do poder político, com todas as suas salvaguardas, dentre as quais o injustificável foro privilegiado.
Embora os realmente envolvidos em práticas delituosas - tais como desvio sistêmico de verbas públicas, narcotráfico, lavagem de dinheiro - sejam minoria, exercem grande influência nas Casas Legislativas, onde atuam como fiéis da balança na disputa hegemônica entre maioria e minoria.
Vendendo cara a sua adesão, seu número basta para influir sobre o Orçamento e sobre sua execução de modo a comprometer a higidez das contas públicas e do planejamento, contribuindo para a inviabilização do trâmite de projetos de lei estratégicos, como os relativos às reformas eleitoral e tributária. É o que se chama de "captura de governo", fenômeno que seguirá comprometendo a gestão pública enquanto não for contornado de modo satisfatório. Essa captura, sim, é profundamente antidemocrática e inconstitucional. Não é a esse desajuste que dá suporte a nossa Constituição, inspirada, inversamente, por noções como publicidade, impessoalidade, economicidade, moralidade e probidade administrativas.
Foi essa a leitura que embalou a Campanha Ficha Limpa. Ela está viva entre as dezenas de organizações que integram o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Além disso, representa o ideário de uma teia social complexa e inovadora que permeia novos movimentos sociais comprometidos com um modelo de País, sem dívidas com nenhuma ala ou partido.
Mas não tenho dúvida de que muitos outros segmentos, dentre os quais trabalhadores, profissionais liberais e empresários dos setores que embalam a nova economia brasileira, têm interesse na consolidação desse entendimento. Isso se aplica indistintamente a todos os interessados na aplicação de modelos de governança baseados na representação efetiva dos diversos estratos sociais, no planejamento estratégico das políticas públicas, no desenvolvimento pautado pela sustentabilidade e na estrita observância a parâmetros de responsabilidade e transparência.
A Ficha Limpa é um passo importante nessa direção, convidando à sedimentação de uma representatividade política mais compatível com as aspirações internas e externas de um país que evolui tão acertadamente em outros campos. Apenas um Parlamento formado por uma representação adequada poderá constituir a grande mesa de diálogo em torno da qual se consolidarão as ideias de democracia e República de que depende o nosso futuro.
Essa conquista é, portanto, daquelas que reclamam continuidade. Ela demanda a permanência da mobilização até o completo desfazimento do ciclo que atravanca nossa institucionalidade política, o qual só será mais diretamente enfrentado quando o Congresso Nacional, finalmente, se convencer do caráter inadiável da reforma do vigente sistema eleitoral.
Que venha, então, a nova iniciativa popular de projeto de lei. Desde que a sociedade civil possa alcançar consensos rumo à construção de um projeto sólido, poderá defrontar-se com as principais mazelas que reduzem a qualidade da nossa representação: a debilidade dos partidos, o clientelismo e a mercantilização das campanhas eleitorais.
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