terça-feira, 27 de julho de 2010

A invasão da Usina de Dardanelos

O Estado de S.Paulo

Paramentados para guerra e liderados pelos cintas-largas e araras, cerca de 300 índios de 11 etnias invadiram, no final da semana passada, o canteiro de obras da Hidrelétrica de Dardanelos. A usina ? um investimento de quase R$ 800 milhões liderado por uma sociedade integrada pelo Grupo Neoenergia, pela Eletronorte e pela Chesf ? começou a ser construída em agosto de 2007, na região norte do Estado de Mato Grosso, e deve estar concluída em janeiro de 2011. Além de impedir a entrada e a saída de quem vive na área, os invasores fizeram mais de 100 reféns entre os trabalhadores das empreiteiras e exigiram um "programa de sustentabilidade para a comunidade indígena" e R$ 10 milhões, a título de "reparação financeira" pelo empreendimento.

Entre o sábado e o domingo, os índios aceitaram trocar os reféns por cinco engenheiros e gerentes, que se ofereceram para ficar no lugar dos trabalhadores. Já sobre a liberação desses cinco reféns e da área não houve acordo, apesar dos esforços de uma comissão integrada por representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Polícia Federal e da Polícia Militar de Mato Grosso. Os invasores mantiveram-se intransigentes em relação aos R$ 10 milhões que reivindicam como "compensação". Agora, eles querem que as negociações sejam feitas por representantes do Ibama, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do Ministério de Minas e Energia e do Ministério Público Federal e afirmam que, se até a metade da semana suas pretensões não forem acolhidas, convocarão mais 800 índios e colocarão fogo no canteiro de obras.

Esse seria apenas mais um incidente em áreas prioritárias para investimentos em energia envolvendo o poder público, índios e movimentos ecológicos, se não fossem dois detalhes importantes. O primeiro é que a Usina de Dardanelos, situada em Aripuanã, a quase mil quilômetros de Cuiabá, não está sendo construída dentro de uma reserva indígena demarcada e protegida por lei. Ou seja, ela não afeta as condições de vida e a sobrevivência econômica de qualquer tribo nas Regiões Centro-Oeste e Norte. A principal alegação dos invasores é de que a área, por ter sido utilizada como cemitério pelos antepassados, teria valor histórico, sendo um "sítio arqueológico". Eles também alegam que, quando a usina começar a funcionar, a qualidade da água poderá piorar, diminuindo a quantidade de peixe no Rio Aripuanã.

O segundo detalhe é que a construção foi aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso, as obras estão devidamente respaldadas por estudos de impacto ambiental homologados por órgãos oficiais e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já vem tomando providências para fazer o leilão de escolha da concessionária. Além disso, todas as tentativas de embargo da obra feitas pelo Ministério Público foram rejeitadas pelo Poder Judiciário.

Quando o projeto foi elaborado, os movimentos ecológicos afirmaram que a usina poderia comprometer o ecoturismo e um pequeno balneário utilizado pela população local. Também alegaram que uma espécie de planta aquática e uma colônia de andorinhas que faz ninho nos paredões de arenito das cachoeiras poderiam ser prejudicadas. No entanto, os estudos técnicos mostraram que o impacto ambiental da Hidrelétrica de Dardanelos será muito baixo.

Como tudo está feito rigorosamente de acordo com a legislação ambiental e a aldeia mais próxima da usina fica a uma distância de 42 quilômetros, o protesto dos índios parece ter por objetivo mais os R$ 10 milhões do que um efetivo programa de sustentabilidade. Antecipando-se a eventuais críticas de que estariam tentando fazer chantagem, os líderes indígenas alegaram que o dinheiro será utilizado para melhorar as "condições sociais" na área, ampliando o acesso à educação e à saúde, melhorando as estradas para as aldeias e incluindo as tribos no programa "Luz para Todos". Mas essas melhorias não são de responsabilidade da hidrelétrica e, sim, de prefeituras, do governo estadual e da União.



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