no Estadão.com.br
Praticamente sem o conhecimento do público, que pagará a conta, tramita com rapidez no Congresso o projeto de decreto legislativo que autoriza a revisão do Tratado de Itaipu e, se aprovado, obrigará o Brasil a pagar ao Paraguai o triplo do que já paga pela compra da energia produzida pela usina binacional e não utilizada por seu parceiro. A revisão implicará, entre outras coisas, o pagamento adicional, pelo Brasil, de US$ 240 milhões por ano, gasto que - na conta de luz ou sob a forma de impostos - recairá no bolso do cidadão brasileiro, que não terá nenhuma vantagem com a mudança.
O decreto aprova as alterações no Tratado de Itaipu - documento firmado por Brasil e Paraguai em 26 de abril de 1973 - negociadas no ano passado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, em razão da forte pressão que o dirigente paraguaio fez sobre seu colega brasileiro para aliviar parte dos problemas políticos que enfrentava em seu país. Para atender aos interesses de Lugo, Lula concordou com algumas mudanças, que exigirão a utilização do dinheiro do contribuinte e do consumidor brasileiros.
O Tratado de Itaipu é claro ao determinar que Brasil e Paraguai têm direito, cada um, à metade da energia gerada pelo usina binacional. A energia não utilizada por uma parte será vendida à outra. Os dois sócios recebem royalties e rendimentos iguais. São igualmente responsáveis pela dívida contraída para a construção da usina, e que vem sendo amortizada regularmente, com a utilização de cerca de dois terços da receita da usina.
Logo que tomou posse, Lugo quis mudar essas regras para assegurar ao Paraguai a livre disponibilidade da energia de Itaipu a que tem direito, mas não utiliza - e que, pelas regras do Tratado, deve ser obrigatoriamente vendida ao Brasil. Alegava também que sua remuneração deveria corresponder ao que chamava de "preço justo" da energia cedida. Exigia, ainda, a "revisão completa da dívida" de Itaipu e maior controle do orçamento da empresa binacional.
Não havia, como não há, nenhuma razão técnica concreta para se rever o Tratado de Itaipu. Mesmo assim, em nome de uma política externa marcada por bondades frequentes com alguns parceiros ideológicos - e que pouco ou nada atende aos reais interesses do País -, o presidente Lula cedeu às pressões. Em julho do ano passado assinou com Lugo uma declaração segundo a qual, entre outros compromissos, o Brasil assumiu o de iniciar a construção de mais uma ponte entre os dois países sobre o Rio Paraná, de construir linhas de transmissão de energia no país vizinho, estudar a possibilidade de o Paraguai vender energia livremente no mercado brasileiro e aumentar o valor pago anualmente ao parceiro.
São essas mudanças que estão em exame no Congresso. O governo quer vê-las aprovadas o mais depressa possível e, por isso, solicitou urgência na tramitação da matéria, que se encontra na Câmara dos Deputados. A oposição, por ver nas mudanças lesão aos interesses dos brasileiros - consumidores de energia elétrica e contribuintes em geral -, vem tentando retardar o andamento do projeto.
Na quarta-feira passada, por indicação do deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR), as Comissões de Minas e Energia e de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara realizaram uma audiência para discutir o projeto. Na ocasião, o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, observou que o custo do pagamento adicional onerará o bolso dos brasileiros e que, em 2023, o Paraguai se tornará dono de 50% da usina, já livre das dívidas, "sem ter pago nada por isso", pois, como lembrou, "o Brasil assumiu 100% da construção".
Os brasileiros esperam que também os parlamentares da situação levem em conta esses fatos e decidam de acordo com eles, para preservar os interesses do País - que não são necessariamente iguais aos interesses políticos do presidente.
Tempo e oportunidade para isso eles têm. Por causa da ampla repercussão que as mudanças no Tratado de Itaipu podem ter, o projeto precisa passar por, pelo menos, quatro comissões técnicas da Câmara. Na de Minas e Energia já há um parecer favorável à sua aprovação assinado pelo deputado Pepe Vargas (PT-RS). No dia 7, deve ser examinado pela Comissão de Relações Exteriores.
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