quarta-feira, 21 de julho de 2010

Vazamento e a confiança afetada - Peter S. Goodman

Peter S. Goodman - O Estado de S.Paulo

THE NEW YORK TIMES

Lá no Golfo do México, cuja superfície agora se parece com uma unidade flutuante de tratamento intensivo, com todos aqueles imensos navios com maquinário especializado oscilando com a maré, algo de bom ocorreu na semana passada. Ainda que provisoriamente, o petróleo parou de vazar.

Enquanto a BP encerrava sua sequência de futilidades, finalmente colocando uma tampa na entrada do poço, a notícia confortou a combalida alma americana, um contraponto a uma incessante narrativa de planos que deram espetacularmente errado.

Mais do que uma catástrofe ambiental, o desastre que se desenrola no Golfo tornou-se um lembrete do desarranjo que afeta tantas áreas da vida nacional - desde a cultura política até a crise do desemprego, passando por uma guerra invencível no Afeganistão.

Enquanto o petróleo vazava de um buraco no leito marinho, havia provas palpáveis do desarranjo e da inutilidade das medidas tentadas para contê-lo. O óleo contaminou o ecossistema local e ninguém sabe quais serão seus efeitos tóxicos. As imagens insinuaram-se em nosso inconsciente coletivo, prova gritante de que algo imenso e confuso ainda estava em movimento, apesar dos esforços de nossos melhores engenheiros e de nosso maquinário mais caro.

Até as medidas que deveriam restringir o alcance do estrago deram apenas a impressão de tornar a ameaça mais inquietante, dividindo o vazamento em pequenos glóbulos que pareciam um rio invisível de veneno.

Assim como a contagem de corpos num lugar distante, como o Vietnã ou o Iraque, o custo juntou-se à confusão a respeito das origens do problema e à perplexidade diante da impossibilidade de impedir o vazamento. Como uma guerra travada por motivos questionáveis, o vazamento enfraqueceu o arrogante sentimento de controle e comando do qual os americanos se orgulham.

O dano mais profundo provocado pelo vazamento pode ser a perda da confiança nas instituições, como o governo federal e uma multinacional do petróleo que se considerava um exemplo de sensibilidade ambiental. A isto se somam a exaustão do público decorrente de duas guerras, a insegurança econômica e seu nojo diante da volta das bonificações em Wall Street. Isto se choca com o alívio proporcionado pela certeza de que, ao menos por um breve período, a poluição no Golfo foi detida.

Outra desgraça. "Todos esses fatores funcionam em conjunto", disse Nadine Kaslow, psicóloga da Universidade Emory. "A psique nacional está muito deprimida. O vazamento durou tanto tempo, e foram tantas as tentativas de contê-lo, que as pessoas passaram a confiar menos na possibilidade de as coisas melhorarem. Assim, caso a mais recente tentativa interrompa o vazamento, a notícia se tornará menos importante. Há, porém, a sensação de que alguma outra desgraça tomará seu lugar." / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

É COMENTARISTA DE ECONOMIA



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