Carlos Alberto Sardenberg
Perguntada sobre a correção da Tabela do Imposto de Renda (IR), a presidente Dilma Rousseff deu uma boa resposta de economista. Foi em Porto Alegre, 28 de janeiro, quando ela criticou a proposta de reajuste da tabela pela inflação passada. Disse: "Jamais damos indexação inflacionária... No que se refere a esse reajuste, teríamos de olhar não para a inflação passada, porque isso seria carregar a inércia inflacionária para dentro de uma das questões essenciais que é o Imposto de Renda. O que foi dado sempre foi uma mudança baseada na expectativa de inflação futura". E arrematou: "Não discutiremos qualquer política de indexação".
Correto. Esse tipo de indexação perpetua a inflação passada. É um enorme problema brasileiro do momento. Como há muitos preços indexados, fica impossível levar a inflação para taxas abaixo de 3% ao ano, nível que poderia ser o mais adequado para o Brasil e que garantiria mais conforto para o orçamento das famílias.
Dias depois, porém, ao discursar na abertura dos trabalhos do Congresso Nacional, Dilma informou que vai apresentar um projeto de longo prazo para o salário mínimo, de modo a garantir "ganhos reais sobre a inflação". Ou seja, a atualização pela inflação e mais alguma coisa.
O acordo firmado no governo anterior com as centrais sindicais vai nessa linha. Estabelece que o salário mínimo será reajustado pela inflação do ano anterior e pelo crescimento da economia (medido pelo Produto Interno Bruto, PIB) de dois anos atrás. Assim, o mínimo de 2011 deveria ser o valor do ano passado mais 5,9% (a inflação de 2009) e, surpresa, menos 0,6% (já que o PIB caiu no ano passado).
Isso daria R$ 536, que o governo Lula arredondou para R$ 540. E agora o governo Dilma está negociando R$ 545. Isso é uma completa indexação. E a presidente, pouco antes de assumir o governo, ainda em novembro do ano passado, defendeu essa fórmula herdada.
Aliás, para 2012 essa regra garante um reajuste muito bom. A inflação deste ano deve ficar na casa dos 5,5% e o PIB de 2010 deve ter sido de 7,5%. Partindo de R$ 545, o mínimo iria para R$ 618, um salto de quase 14%.
Como a Previdência paga o mínimo para cerca de 23 milhões de aposentados e pensionistas, a despesa do INSS teria um acréscimo brutal de R$ 21,8 bilhões, simplesmente a metade do déficit atual.
Talvez por isso a presidente tenha dito, no discurso no Congresso, que o projeto para o salário mínimo deve garantir ganho real, mas sendo "compatível com a capacidade financeira do Estado brasileiro".
Aquela fórmula não é compatível com a capacidade da Previdência, o maior problema macroeconômico do País. Sendo jovem e de renda média, o Brasil tem gasto público com aposentarias de país rico e idoso (11,5% do PIB).
Se fosse adotar essa fórmula herdada do governo anterior, Dilma não precisaria dizer que vai apresentar um novo projeto para o mínimo. E, considerando o comentário sobre a Tabela do IR, será que a presidente está pensando em alguma regra baseada na expectativa de inflação futura?
Já houve uma política assim por aqui. Foi durante o regime militar. E resultou em arrocho, pois a inflação efetiva acabou sendo maior que a estimada.
Como ficamos? A ver, mas Dilma terá de tirar um coelho da cartola para atender aos três requisitos: ganhos reais constantes, sem indexação e compatibilidade com a capacidade financeira do setor público.
Reverso. Vejam como política econômica é complicada. Aqui, no Brasil, celebramos a taxa de desemprego mais baixa da história recente, mas temos de lidar com uma inflação alta e ameaçadora. E parte dessa inflação tem que ver justamente com o mercado de trabalho - numa situação de quase pleno emprego, em que faltam trabalhadores para diversas funções, os salários sobem acima da produtividade e isso é, sim, inflacionário. As empresas terão de repassar o custo maior para seus preços - e o consumidor topa justamente porque está ganhando mais e tem mais crédito.
Já nos Estados Unidos, Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central deles), disse na semana passada que a recuperação de seu país enfrentava dois problemas: taxa de desemprego muito alta e inflação muito baixa.
Que o desemprego alto é um problema se entende de imediato. Mas e inflação muito baixa? Pois é, inflação muito baixa (0,8% lá nos Estados Unidos, e isso em alta) indica consumo retraído e desestimula a produção. As empresas não aumentam a produção temendo que não conseguirão vender ao preço que garanta a apropriada margem de lucro. E com preços que nunca sobem, podendo cair, o consumidor deixa para comprar depois. E aí mesmo é que estraga tudo, caem consumo e produção.
Economistas e gestores de política econômica passam o tempo todo procurando o impossível: qual o ritmo de crescimento que cria os empregos necessários e aumenta a renda das pessoas e do país, sem gerar inflação e outras distorções?
Impossível porque se trata de um alvo móvel. Em economia, estamos falando do quê? Do comportamento de seres humanos - razão e paixão, cérebro e sentimentos - com suas decisões de gastar, poupar, investir.
Mas desemprego alto e inflação baixa é pior.
JORNALISTA
E-MAIL: SARDENBERG@CBN.COM.BR
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