terça-feira, 31 de maio de 2011

Editorial = O Estado de S.Paulo - A Grécia assusta de novo



Portugal, Espanha e outros países endividados ficarão incólumes no caso de um calote grego? E qual será o impacto no mercado financeiro? Qual será o custo para os bancos e os contribuintes alemães? Essas perguntas nunca foram tão inquietantes, porque o risco da moratória grega jamais pareceu tão próximo desde o começo do ano passado, quando a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) salvaram a Grécia de uma bancarrota oficial. A solução concebida na época foi um financiamento conjunto de 110 bilhões para desembolso gradual. A entrega das parcelas dependeria do cumprimento, pelo governo grego, de um rigoroso programa de ajuste, com aumento de impostos, corte de gastos e privatização de várias empresas.
O resultado fiscal do ano passado foi pior que o programado e nesta semana uma equipe do Fundo, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu (BCE) deve concluir um levantamento da situação e das perspectivas fiscais do país. Sem garantia de execução do programa nos próximos 12 meses, o FMI será impedido, por suas normas, de fornecer em junho a próxima parcela de seu empréstimo - uma fatia de 12 bilhões.
É inaceitável uma reestruturação total da dívida grega - algo entre 33o bilhões e 340 bilhões, cerca de uma vez e meia o Produto Interno Bruto do país -, mas é preciso achar um meio de envolver o setor privado na solução, disse o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, presidente do Eurogrupo, formado pelos ministros de Finanças da zona do euro.
Envolver o setor privado significa transferir uma parte do custo para os bancos. A União Europeia pode pressionar as instituições gregas a aceitar um reescalonamento da dívida, segundo informou em Bruxelas uma fonte da organização. Os bancos gregos detêm 38% da dívida pública da Grécia, de acordo com o FMI. Mas será difícil envolver só os bancos nacionais, sem repercussão nas outras instituições.
Bancos alemães, segundo a revista Der Spiegel, são credores de cerca de 25,2 bilhões. A maior carteira é a do Kreditanstalt für Wiederaufbau, estatal, com títulos no valor de 8,4 bilhões. Um corte de 50% no valor da dívida imporia uma perda de 4,2 bilhões aos contribuintes alemães. Eles também ficariam com a conta do prejuízo imposto ao segundo maior credor alemão,
o FMS Wertmanagement, detentor de papéis no val0r de 7,4 bilhões. Esse banco foi criado pelo governo durante a crise financeira para ficar com os ativos podres quando o Estado assumiu o controle do Hypo Real Estate. Os bancos alemães, segundo a análise, sobreviveriam, mas grande parte da conta iria para os pagadores de impostos.
Bancos de outros países seriam com certeza contaminados pelos efeitos do reescalonamento, por causa dos financiamentos entre instituições do setor privado. Isso provavelmente afetaria a oferta de crédito aos clientes considerados de maior risco. Nesse caso, poderiam ser limitados também os financiamentos aos países com maior endividamento público e mais necessitados de rolar seus compromissos.
Isso explica a resistência de duas importantes figuras à ideia de reescalonamento da dívida grega - o ex-diretor-gerente do FMI Dominique Strauss-Kahn e o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet. Sobrou Trichet para resistir às propostas de moratória grega. Os motivos de sua oposição ficaram mais claros, há poucos dias, quando se começou a discutir a qualidade dos papéis acumulados pelo BCE depois de várias operações de socorro aos governos endividados. Ele perdeu, no entanto, seu aliado mais influente, hoje sujeito a prisão domiciliar em Nova York, acusado de abuso sexual em um hotel. Outros dirigentes do Fundo podem ter uma reputação menos maculada, mas seu peso político é muito menor que o de Strauss-Kahn antes da queda.
A situação ficará mais complicada se o governo irlandês precisar de novo financiamento oficial. No domingo, o ministro irlandês dos Transportes, Leo Varadkar, expressou dúvida quanto à capacidade de seu governo de se financiar no mercado de bônus. Se a dúvida tiver fundamento, os europeus terão mais um motivo para se preocupar. 


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