Diante das evidências contundentes sobre a presença de 1.500 guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em território venezuelano, apresentadas à Organização dos Estados Americanos (OEA), o presidente Hugo Chávez reagiu na sua típica maneira destemperada: invocando a "dignidade" nacional, rompeu relações diplomáticas com o governo de Bogotá e ordenou às Forças Armadas que entrassem em "alerta máximo" na fronteira entre os dois países.
A dignidade da Venezuela estaria mais bem servida se, em primeiro lugar, tivesse um dirigente que não se comportasse como um histrião. Mas Chávez armou o cenário para o anúncio da ruptura com a participação, que acabou sendo ridícula, de seu "correligionário" argentino Diego Maradona, que com ar estuporado ouviu a catadupa de impropérios que dirigiu ao presidente colombiano Álvaro Uribe. Essa foi a resposta às provas exibidas na OEA de que continua dando guarida ao bando de narcotraficantes em que se transformaram as antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que desgraçaram a nação vizinha antes de serem acuadas pela tenaz política de segurança adotada por Uribe.
"A Venezuela deveria romper relações com as gangues que sequestram, matam e traficam drogas, e não com um governo legalmente constituído", comentou o embaixador colombiano na OEA, Luis Alfonso Hoyos. Foi na sede da OEA, em Washington, que os representantes colombianos exibiram vídeos, mapas e fotos aéreas indicando a localização dos acampamentos das Farc e do Exército de Libertação Nacional (ELN).
"São ao menos 87 estruturas completamente armadas em território venezuelano", descreveu Hoyos. Os acampamentos "continuam se consolidando". Nas regiões do país onde se instalaram, geralmente em locais fronteiriços, os farquistas não se conduzem como se estivessem batendo em retirada ou apenas se reagrupando. Controlam com mão de ferro as desafortunadas populações, a ponto de lhes impor o toque de recolher a cada dia.
Foi essa realidade que a Colômbia buscou descortinar na reunião de emergência da OEA, convocada a seu pedido. Além disso, representantes de Bogotá exortaram Chávez a permitir que observadores estrangeiros visitassem as áreas onde se situam os santuários das Farc. Para surpresa de ninguém, a Venezuela se recusou a fazê-lo, o que dá a devida dimensão a suas tentativas de desmentir fatos que constituem uma clara violação das normas da Carta da OEA sobre a convivência pacífica dos países do Hemisfério.
A bravata do rompimento vem sendo, em geral, interpretada como a reencenação do velho truque da transmutação do agressor em vítima. A plateia a que o caudilho se dirige é a população venezuelana. Já se apontou neste espaço a urgência de Chávez em fabricar inimigos internos (a imprensa, a Igreja, o empresariado) e externos (o "Império" e a Colômbia) para mascarar o estado pré-falimentar a que as suas políticas "bolivarianas" reduziram a economia nacional, em recessão pelo segundo ano consecutivo. Ele teme o troco do povo nas eleições legislativas de setembro.
Se os motivos de Chávez são claros, os de Uribe suscitam controvérsias. Segundo uma versão, ele teria resolvido levar o venezuelano ao pelourinho a duas semanas da transmissão do poder ao sucessor Juan Manoel Santos, o ex-ministro a quem apoiou na campanha, para sabotar a sua anunciada política de distensão com a Venezuela. Mais convincente, talvez, parece ser a hipótese de que, tendo só agora reunido as condições para denunciar a proteção chavista às Farc, Uribe quis fechar um ciclo no contencioso bilateral e deixar o campo livre para Santos fazer nova política na matéria.
De seu lado, o governo brasileiro, que até há pouco preferia se envolver nos conflitos do Oriente Médio em vez de se voltar para tensões na vizinhança, mais do que depressa anunciou a intenção de agir como mediador entre Colômbia e Venezuela. Antes tarde do que nunca, seria o caso de dizer, se a oferta já não estivesse contaminada pelas manifestas simpatias do presidente Lula e do seu entorno pelo autocrata venezuelano.
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