DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
Na condição de inventor da candidatura e de posse da prerrogativa de mentor de Dilma Rousseff, o presidente Luiz Inácio da Silva tem se comportado como previsto nesta etapa de transição entre a eleição e a posse da sucessora.
Ninguém de bom senso pode imaginar que Dilma possa se tornar independente de Lula de uma hora para outra. Acreditar nisso é se abstrair da realidade e conferir excessivo e precipitado crédito às histórias de distanciamento entre criadores e criaturas.
Essas coisas levam tempo. No caso específico de Dilma, é preciso levar em conta também que determinadas atitudes não são condizentes com a natureza feminina.
O dever de lealdade é mais acentuado nas mulheres, ou há alguma dúvida a respeito?
O caso de Lula como criador também é peculiar: ele detém uma força e um poder de mobilização dentro e fora do partido que sempre lhe assegurarão ascendência sobre Dilma, por mais que os deveres e os prazeres da Presidência a tornem a cada dia mais senhora de si. Isso sem falar que ele sabe fazer política e ela não.
A liderança dela é derivada e isso é um fato.
Nada há de estranho, portanto, que Lula influa decisivamente na composição do ministério. Pode não ser adequado, mas durante toda a campanha os gestos, mais que as palavras (embora estas também), deixaram bastante claro que não haveria solução de continuidade, sendo ela a eleita.
Só por isso não se pode dizer que Dilma será necessariamente uma marionete. Esquisito seria se ela fizesse escolhas à revelia dele.
Quanto à interferência de Lula para barrar o apetite de setores do PMDB no episódio do "blocão", há o óbvio: o presidente é ele até o dia 31 de dezembro.
Antes disso fica difícil fazer análises definitivas sobre qual será mesmo o papel de Lula como ex-presidente pelo simples fato de que a situação concreta ainda não se apresentou. Até lá, o que se faz são suposições.
Conjecturas a esse respeito é o que mais tem sido feito no mundo político. É consenso entre amigos e aliados de Lula que Dilma transitará em terreno complicado: não poderá desagradá-lo, mas também não poderá deixar que o poder lhe seja usurpado.
Nesse aspecto, a iniciativa teria de ser dele, deixando o governo para ela e cuidando da política em duas dimensões: a da própria biografia e a do projeto de poder de seu grupo - vale dizer o PT e área de influência.
Lula cuidará do instituto que levará seu nome, mas gostaria de ocupar algum posto que lhe permitisse liderar programas de ajuda a nações mais pobres, na África, como já se diz. Internamente, funcionaria como referência política nos grandes debates.
Um papel que Fernando Henrique poderia ter cumprido se o PSDB tivesse deixado, mas que com o PT Lula certamente poderá cumprir. Surpreendente na visão de amigos e aliados é a unanimidade da dúvida em relação a uma possível volta em 2014.
Ninguém acha que Lula voltará a disputar eleições. Para não se arriscar a macular o patrimônio da inédita popularidade ao fim de dois mandatos que já lhe garante lugar de honra na História.
Outro patamar. A direção do PMDB avisou nas internas que vai desautorizar quaisquer iniciativas de pressão por cargos sobre a presidente eleita. Não porque o partido não queira participação à altura da parceria que lhe confere a Vice-Presidência da República.
A questão é que nem todos no PMDB compreenderam que tais truques já não são necessários como eram à época em que o partido era um poderoso aliado, mas não passava de um anexo garantidor da "governabilidade".
Quando os idealizadores do "blocão" se juntaram a partidos como o PTB e o PP, que nem sequer se aliaram ao PT na eleição, emprestaram a eles a força e não o contrário como quiseram dar a entender. Reduziram o PMDB ao posto de agregado, subtraindo-lhe importância.
"Pela primeira vez não podemos ser chamados de adesistas, não disputamos espaços, mas dividimos naturalmente o poder conquistado nas urnas", diz o ex-ministro Geddel Vieira Lima, lembrando que ataques a Dilma Rousseff atingem igualmente o vice, Michel Temer.
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