quarta-feira, 30 de março de 2011

Editoriais - Folha de S.Paulo - Agressão ao "Clarín"


Mais um episódio na Argentina vem reforçar a constatação de que a liberdade de imprensa encontra-se sob ameaça no país vizinho. Desta vez, bloqueio de sindicalistas alinhados ao governo impediu, domingo, a circulação do "Clarín", maior jornal da Argentina e alvo de perseguição da Casa Rosada há quase três anos.
O embate começou em meados de 2008, quando o grupo de mídia se posicionou contra o governo em disputa com ruralistas acerca de imposto sobre a exportação de grãos. A elevação do tributo caiu no Congresso, primeira grande derrota de Cristina Kirchner.
Na Argentina, como em tantos países da América Latina, o natural atrito entre imprensa e governo se transforma em uma batalha desigual, dada a capacidade coercitiva do Estado. Os ocupantes do poder não conseguem conviver com a fiscalização de suas ações.
Os métodos empregados são similares. Sob o pretexto de irregularidades empresariais, estabelece-se uma ofensiva governamental para solapar algo que é crucial para os grupos de mídia no exercício da atividade jornalística, sua capacidade de manter independência financeira.
Empresas de mídia, como todas as outras, devem submeter-se a escrutínio do poder público. O cenário argentino, contudo, configura uma perseguição. Desde 2008, o "Clarín" foi alvo de blitz da Receita, com 200 fiscais ocupando a sede do jornal; sofreu uma série de reveses na lucrativa área de TV; foi impedido de oferecer serviços na internet; e enfrenta investigações sobre preços praticados pela fábrica de papel que tem em sociedade com o diário "La Nación" e com o próprio governo.
Nesse ambiente adverso, a decisão da Faculdade de Jornalismo de La Plata de agraciar Hugo Chávez só vem adicionar um toque de realismo fantástico ao enredo. A entrega do prêmio Rodolfo Walsh -jornalista e escritor vítima da ditadura argentina (1976-1983)- ao autocrata venezuelano, por sua suposta contribuição "à comunicação popular e à democracia", não poderia ser mais inoportuna.
Da Argentina ao Equador e da Venezuela à Bolívia, a imprensa independente sofre tentativas de intimidação por governos refratários à essência do jornalismo -apontar irregularidades e malfeitos. O Brasil, ao menos, parece livrar-se do vício de alguns líderes latino-americanos de agredir o mensageiro, em vez de enfrentá-lo com fatos e argumentos.

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