quarta-feira, 30 de março de 2011

Editorial - O Estado de S.Paulo = O teste diplomático de Dilma



Dentro de duas semanas a presidente Dilma Rousseff estará na China, maior parceira comercial do Brasil. Cerca de 300 empresários deverão acompanhá-la. Aproveitarão a viagem presidencial para explorar novas oportunidades comerciais ou, no mínimo, para entender melhor as condições de acesso ao mercado chinês. O Brasil exporta para a China quase exclusivamente produtos básicos e bens intermediários e importa maciçamente bens manufaturados. A composição das trocas será com certeza um dos temas principais das conversações e haverá cobranças de lado a lado. A primeira viagem da presidente brasileira para um grande parceiro fora da América do Sul será um teste importante para a diplomacia do novo governo.
Autoridades chinesas têm cobrado o reconhecimento de seu país como economia de mercado. Em 2004, durante visita do presidente Hu Jintao a Brasília, o governo brasileiro prometeu aquele status à economia chinesa, se fossem cumpridas certas condições econômicas.
Mas a cooperação bilateral praticamente se resumiu, durante a maior parte do tempo, a um comércio em grande parte sujeito às condições fixadas pela China. Investimentos só apareceram bem mais tarde. Além disso, a instalação de uma fábrica da Embraer na China produziu resultados decepcionantes, porque os interesses do governo chinês não coincidiram, afinal, com os da empresa brasileira.
O reconhecimento da China como economia de mercado continua fora da pauta brasileira, avisaram funcionários de Brasília. A presidente Dilma Rousseff tentará limitar-se à discussão de outros assuntos, embora seja muito difícil, neste momento, descartar a hipótese de uma cobrança chinesa. Não está claro se o governo brasileiro mudará de ideia, se uma contrapartida atraente for posta sobre a mesa, ou se a diplomacia do novo governo simplesmente decidiu abandonar a promessa de 2004.
Esse detalhe é importante, porque o compromisso assumido pelo presidente Luiz Inácio da Silva, há sete anos, foi, mais que um excesso, uma imprudência.
Reconhecer um país como economia de mercado implica aceitar certas limitações à política de defesa comercial. A China obviamente não é uma economia tão sujeita a regras de mercado quanto a maior parte das outras associadas à Organização Mundial do Comércio (OMC). Não era preciso assumir um compromisso tão grave para intensificar o comércio e estabelecer maiores laços econômicos com a China. Outros países também ampliaram os negócios com o mercado chinês sem formular promessas com implicações tão sérias.
Ao assumir aquele compromisso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva certamente levou em conta bem mais que os interesses comerciais e de cooperação econômica. A promessa precipitada refletiu também uma concepção particular - e ingênua - de alianças estratégicas. O Brasil era importante para a China como fornecedor de matérias-primas e alguns bens intermediários, mas o governo chinês jamais atribuiu ao País um status semelhante ao atribuído às maiores potências capitalistas, a começar, naturalmente, pelos Estados Unidos. Isso era evidente, menos, é claro, para os terceiro-mundistas de Brasília.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, nunca deixou de participar, à sua maneira, dessa visão juvenil de mundo. Só muito recentemente ele passou a referir-se também ao governo chinês como manipulador do câmbio. Até então, acusações desse tipo eram dirigidas às autoridades americanas, como se as chinesas não houvessem decidido muito antes manter o yuan depreciado.
A presidente Dilma Rousseff deu alguns sinais de realismo na avaliação dos interesses brasileiros e das formas de cooperação compatíveis com as possibilidades e aspirações do País. Em Portugal, seus contatos com as autoridades, na visita interrompida pelo falecimento do ex-vice-presidente José Alencar, valeriam como mais uma indicação do estilo diplomático do novo governo brasileiro.
Mas o primeiro grande teste fora da América do Sul deverá mesmo ocorrer durante a visita à China. Até agora, a autoridades chinesas se mostraram muito mais lúcidas que as brasileiras na concepção e na defesa de seus interesses nacionais. 

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