quarta-feira, 4 de maio de 2011

Morte de Bin Laden pode esvaziar Al-Qaida ainda mais no Oriente Médio



Para correspondente da BBC, luta pela democracia na região deve ofuscar possíveis atos de vingança de grupos extremistas

A morte de Bin Laden deve complicar o cenário de desafios que a rede Al-Qaeda, que ele encabeçava, já vem enfrentando há anos no Oriente Médio.
Extremistas da organização ou dos grupos afiliados a ela prometeram vingar a morte daquele que foi não apenas o fundador da Al-Qaeda, como também o seu símbolo mais carismático e inspirador.
Há temores de que a morte dele possa dificultar a liberação de três reféns franceses e um italiano capturados no norte da África.
Bin Laden gozava de apoio de grupos espalhados pela região, incluindo o Iraque, o Norte da África, a Arábia Saudita e o Iêmen, e eventuais atos de vingança destas organizações podem dar uma falsa impressão de que a rede continua poderosa apesar da queda se seu maior ícone.
Na prática, esses grupos operam com grande grau de independência. Operacionalmente, o segundo na linha de comando da Al-Qaeda, o egípcio Ayman al-Zawahiri, tinha mais influência no movimento, que é mais frequentemente comparado a uma "rede de franquias" que a uma organização centralizada e sob controle rígido.
A morte de Bin Laden vem no momento em que sua ideologia militante já se esvaía no Oriente Médio, ofuscada, por um lado, pelo fracasso da Al-Qaeda no campo de batalha em locais como o Iraque e, por outro, pela chegada da Primavera Árabe, a recente onde de revoltas populares que varreu o Norte da África e o Oriente Médio, e que foi inflamada por anseios democráticos com um fervor que a Al-Qaeda nunca conseguiu.
Falta de apelo
A filosofia de Bin Laden conheceu o seu maior grau de aceitação durante a guerra mujahideen, dos guerreiros muçulmanos afegãos contra a ocupação soviética do seu país, e mesmo nos primeiros anos do ataque de forças americanas contra o Iraque.
Mas além do discurso simplificado de "resistência heroica à ocupação estrangeira", seu apelo para as massas no mundo árabe parece ter se esgotado onde quer que tenha sido posto a teste.
À medida que a democracia, ainda que falha, se tornava uma realidade no Iraque, a influência dos grupos ligados à Al-Qaeda caiu drasticamente, já que a população sentia diretamente as consequências da carnificina sectária provocada por ataques a bomba realizados indiscriminadamente, sobretudo contra civis xiitas.
A comunidade sunita, base da Al-Qaeda e de outros grupos insurgentes, se virou em massa contra os militantes da jihad, a guerra santa. Os extremistas ainda detêm capacidade no Iraque, mas é uma fração do que já foi no passado.
A filosofia radical e incisiva de Bin Laden já tinha sido experimentada e fracassara no Egito. Em meados dos anos 1990, grupos de ideologia semelhante, como o Gamaa Islamiya e a Jihad Islâmica realizaram inúmeros ataques contra alvos que incluíam turistas estrangeiros e cristãos coptas egípcios.
Mas esses grupos abandonaram tais táticas quando se deram conta de que estavam cada vez mais isolados em sua própria comunidade, e que suas ações estavam secando as fontes de renda do país, em especial do turismo.
Falta de sintonia
Estes episódios sublinham dois elementos-chave que colaboram para a falta de sintonia entre a Al-Qaeda e o Oriente Médio: o seu inegável caráter sectário sunita e o fato de que estes radicais islâmicos não creem na democracia, mas em uma teocracia islâmica imposta, se necessário, pela força.
Ao contrário dos principais movimentos majoritários islâmicos - como a Irmandade Islâmica do Egito e da Síria, o palestino Hamas, o grupo Al-Nahda na Tunísia -, os grupos militantes mais radicais, ligados à Al-Qaeda, têm estado de fora do jogo democrático e não apoiaram as revoluções em andamento no mundo árabe. Como resultado, estão cada vez mais isolados.
Estranhamente, isto tem lhes dado quase uma responsabilidade na sobrevivência de regimes controvertidos como o do coronel Muamar Khadafi na Líbia, do presidente Ali Abdullah Saleh no Iêmen e do presidente Bashar al-Assad no Síria.
De um lado, estão a Al-Qaeda e os grupos ligados a ela, alegando conduzir uma luta santa contra tais "regimes tiranos" que, por sua vez, agarram-se ao poder com o pretexto de que só assim podem resistir às ameaças dos militantes islâmicos. Como se um radical validasse a existência do outro.
No Iêmen, grupos pró-democracia pediram aos seus ativistas que não carreguem retratos de Bin Laden para as manifestações, porque este tipo de demonstração serviria de pretexto ao presidente Saleh para reprimir os protestos com mais força.
Na Argélia, o governo do presidente Abdulaziz Bouteflika também brandiu as ameaças de grupos ligados à Al-Qaeda para justificar seu apego ao poder.
Democracia x radicalismo
Os ideais democráticos dos levantes árabes são uma ameaça muito maior aos regimes que qualquer violência fabricada pela Al-Qaeda e seus afiliados. Ambos são incompatíveis.
Por isso é que na Tunísia e no Egito pouco tem-se falado de radicais extremistas, ao passo que os principais grupos islâmicos estão fazendo ginástica para melhorar seu desempenho nas urnas.
Os radicais esperam avançar na Líbia, Síria, Iêmen e em outros lugares onde possam explorar o medo para sua vantagem.
Por exemplo, na Síria há relatos não confirmados de ataques de grupos armados jihadistas contra as forças de segurança, apesar do caráter majoritariamente pacífico do movimento pró-democracia.
No cenário catastrófico em que a região se divida ao longo de linhas sectárias, não se pode descartar uma ofensiva de sunitas contra xiitas.
Mas em um cenário de transição pacífica para a democracia, como o imaginado pelos principais organizadores dos principais levantes da região, esses grupos tendem a perder o sentido.
As opiniões se dividem em relação aos efeitos, nesse sentido, da morte de Bin Laden, o principal inspirador dos radicais. Há quem diga que os extremistas sentirão o baque, e há quem diga que redobrarão os esforços para aumentar sua influência.
Qualquer que seja a escolha, é improvável que esses grupos alterem as tendências históricas fundamentais que limitaram na teoria e na prática a filosofia radical e avessa ao diálogo de Bin Laden.

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