sexta-feira, 18 de junho de 2010

Não basta acreditar e investir - DIONISIO DIAS CARNEIRO

DIONISIO DIAS CARNEIRO - O Estado de S.Paulo

O que têm em comum as frustrações dos investidores que acreditaram nas oportunidades oferecidas pelos mais prestigiosos bancos de investimento do mundo e perderam dinheiro e a sensação de raiva e desconsolo provocada pelos pelicanos untados de óleo na costa da Louisiana? O que isso tem a ver com a confiança dos governantes brasileiros na sustentabilidade do alto crescimento apresentado no 1.º trimestre de 2010?

Todos resultam da relutância dos agentes econômicos (famílias, empresas e governos) em admitir que eventos desagradáveis e fora de seu controle costumam ser mais prováveis do que imaginam ao fazer suas escolhas. Ao contrário do que se pensa, as pessoas são pouco objetivas quando avaliam as chances de eventos que frustram seus sonhos.

Os modelos de escolha racional costumam partir do pressuposto de que a escolha entre alternativas não depende das preferências dos agentes quanto aos estados da natureza (jargão profissional que designa as circunstâncias fora de seu controle), mas apenas das preferências entre os resultados. A evidência, entretanto, é que as pessoas costumam subestimar a ocorrência de estados da natureza que lhes causam desconforto extremo. Preferimos acreditar que nossos empregos e nossos investimentos são mais seguros do que costumam ser na realidade e que o crescimento econômico depende apenas da caneta do presidente, por exemplo.

Modelos de escolha racional que consideram essa dissonância cognitiva foram analisados em 1982 por George Akerlof e William Dickens (American Economic Review), mas a ideia foi antecipada por Albert Hirschman. Akerlof e Dickens mostram que, quando os efeitos da dissonância cognitiva sobre as crenças perduram, a convicção é maior e a influência do otimismo sobre as escolhas se torna mais importante.

Governos tendem a ser otimistas, especialmente quando escolhem entre alternativas cujos benefícios são sentidos hoje e os custos dos erros demoram a chegar. Do ponto de vista que aqui nos interessa, um período de sucesso gera mais otimismo nos governantes e, portanto, escolhas mais enviesadas.

O sucesso do governo Lula em evitar uma recessão séria, quando a crise externa paralisou o crédito e o comércio exterior, reforçou a crença de que basta o governo gastar e emprestar que a oferta será garantida pelo aumento dos gastos de investimento. Isso ocorreu porque a capacidade ociosa ficou evidente quando a produção foi bloqueada por uma súbita diminuição do fluxo de demanda, ao faltar crédito para o investimento, as exportações e o consumo. Neste caso, estímulos fiscais e creditícios substituíram os fluxos privados interrompidos pela crise e o PIB pôde crescer, porque a oferta respondeu a ritmo chinês. Mas isso significa que basta fazer mais do mesmo para crescer mais? Não.

Em entrevista recente, Dilma repetiu o que alguns economistas da oposição já expressaram há algum tempo: a ideia de que produto potencial é uma ficção de macroeconomistas ortodoxos.

A consequência desse diagnóstico comum é que o episódio de alto crescimento encoraja projeções maiores da taxa de crescimento sem inflação "porque o investimento cresceu". Recuperada a utilização de capacidade, não basta ordenar despesa para construir usinas, pois leva anos até que a energia possa ser usada para a produção e o consumo. Extingue-se também o automatismo da geração de poupança, o que implica pressão inflacionária e sobre as contas externas. Em suma, numa economia próxima do pleno emprego, gastar não é estratégia de crescimento e o problema é como aumentar a produtividade e a poupança, os "segredos" chineses.

O que caracteriza dissonância cognitiva é que escolhas "racionais" não bastam quando as hipóteses são contaminadas pelo otimismo. A rápida recuperação brasileira tem sido usada para alimentar promessas inviáveis. O eleitor está pronto para acreditar no otimismo, mas cobrará caro pela frustração. Como cobra de Obama ter gasto "trilhões" salvando banqueiros, porque foi otimista com a recuperação do emprego que resultaria de sua ação.

ECONOMISTA, DIRETOR DA GALANTO

CONSULTORIA E DO IEPE/CDG

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