domingo, 20 de março de 2011

Editoriais - Folha de S.Paulo - Dólares e riscos


Governo precisa acompanhar de perto dívidas de empresas privadas em moeda estrangeira, para prevenir abalos como os de 2008

Faz quase meia década, autoridades e observadores da economia brasileira passaram a lidar com o problema quase inédito, em termos históricos, do excesso de capital que se dirige ao país.
Embora dê sua contribuição ao equilíbrio das contas externas, tal influxo pode provocar danos colaterais, como a valorização excessiva do real. Mas há riscos de outros danos; mais preocupante, riscos difíceis de acompanhar e medir.
O excesso de dinheiro pode fomentar endividamento excessivo de empresas e instituições financeiras. Pode incentivar ainda a invenção de esquemas de financiamento complexos, que multiplicariam o efeito da torrente de dinheiro e criariam castelos de cartas financeiros, extremamente frágeis e vulneráveis a inversões súbitas das condições de mercado: secas abruptas de crédito, desvalorizações cambiais, altas de juros.
Neste ano, entraram no Brasil cerca de US$ 30 bilhões, quantia 25% superior ao fluxo de capital registrado em todo 2010. Há indícios fortes de que o aumento da dívida externa de empresas e instituições financeiras se acelera.
As causas dessa inundação são conhecidas. Há capital abundante, fruto das taxas de juros reais próximas de zero no mundo desenvolvido e da política dos maiores Bancos Centrais de despejar dinheiro em suas economias, de modo a evitar uma depressão. Há escassez de opções de aplicação rentável de todos esses recursos, que em parte acabam no "mundo emergente", Brasil inclusive.
Apesar de impressionante, só o volume das operações não permite que se avalie quão prudente tem sido o emprego do capital. Não se sabe se o endividamento está concentrado ou disperso, se em empresas e instituições financeiras mais ou menos capazes de lidar com tal abundância. Não se conhecem com precisão os instrumentos financeiros usados para captar e empregar tal dinheiro.
Lembre-se, a esse respeito, a surpresa e o momentâneo pânico causados pela descoberta das operações com derivativos cambiais por centenas de empresas brasileiras, em 2008. Em suma, tratava-se de endividamento em dólar com risco amplificado por apostas complexas e irresponsavelmente otimistas sobre o futuro da taxa de câmbio.
Com o estouro da crise mundial em 2008, tais operações se revelaram catastroficamente perdedoras. Empresas da qualidade operacional e dimensão de Aracruz, Votorantim e Sadia passaram por séria crise. Foram salvas em operações com o patrocínio ou financiamento indireto do governo.
Desde dezembro, o governo tem tomado medidas, ditas "macroprudenciais", para desestimular ousadias. Estão em estudo outras providências para conter o influxo excessivo de capital.
Espera-se, porém, que as autoridades estejam mais alertas para os riscos do que estavam em 2008 e que apresentem indicadores mais claros sobre essa torrente em parte subterrânea de dinheiro.

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