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Segundo relatório divulgado pela Unesco, 21 nações em desenvolvimento despendem mais com gastos militares do que com educação primária
VINCENT DEFOURNY
O atual clima de violência no Oriente Médio, motivo de preocupação mundial, serve de alerta para enxergar uma "crise oculta", que pouco chama a atenção da comunidade internacional e que muito contribui para reforçar a pobreza e impedir o progresso das nações.
A educação está sofrendo efeitos devastadores em zonas de conflito armado, especialmente nos países mais pobres, mas tal impacto vem sendo negligenciado.
O Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos (EPT) 2011 da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), lançado durante a semana, revela a escala dessa grave crise, denunciando que 42% das crianças em idade escolar primária do mundo que não estão matriculadas em escolas vivem em países pobres afetados por conflitos. São 28 milhões de crianças impedidas de frequentar aulas.
Os conflitos armados têm efeito tão perverso sobre os sistemas educacionais que são considerados atualmente o maior obstáculo para o cumprimento, até 2015, dos objetivos de EPT, com os quais 160 países, entre eles o Brasil, se comprometeram em 2000, em Dacar.
É gravíssima a constatação de que a escola virou alvo de guerra.
Crianças e professores estão na linha de frente dos conflitos armados. Só no Afeganistão foram registrados 613 ataques a escolas em 2009. São ainda flagrantes as violações aos direitos humanos, sendo que o estupro e outras violências sexuais têm sido amplamente utilizados como tática de guerra. O medo vem afastando principalmente as jovens da escola.
A educação também está sendo prejudicada porque os gastos militares estão roubando recursos que seriam destinados aos sistemas de ensino. Vinte e uma nações em desenvolvimento despendem mais com gastos militares do que com educação primária. Se apenas 10% desses investimentos fossem transferidos para a educação, 9,5 milhões de crianças poderiam ser incluídas no ensino primário.
Com um corte dessa ordem, só o Iêmen, país que enfrenta sérios conflitos no momento e que investe 4,4% do PIB em gastos militares, poderia garantir 840 mil crianças a mais na escola.
A situação das nações em guerra ou pós-conflito se agrava ainda mais porque, segundo o relatório, os gastos militares também reduzem os recursos que os países doadores poderiam destinar aos países mais pobres. Se os doadores transferissem apenas seis dias de gastos militares para a educação básica, seria possível fechar o deficit de US$ 16 bilhões para o alcance dos seis objetivos de EPT, colocando todas as crianças na escola até 2015.
É hora, portanto, de os governos nacionais e a população mundial olharem o problema de frente, colocando-o no topo das prioridades da agenda internacional. É preciso centrar as atenções na educação, porque, como defende a Unesco desde sua fundação, ela tem elevado poder na construção de uma sociedade pacífica.
A escola é o ambiente propício para a promoção da paz, da reconciliação e da convivência entre as diferenças; por isso, não podemos deixar que seja alvo da intolerância, do preconceito e da violência.
Tal preocupação se estende a países como o Brasil, que, embora viva longe das guerras, enfrenta o desafio da pacificação de zonas conflagradas, nas quais a violência muitas vezes atinge a escola.
Nesse sentido, é desejável que iniciativas como o Programa Escolas do Amanhã e as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio, rendam frutos e espalhem as sementes da promoção da segurança com cidadania e de uma educação de qualidade para a paz.
VINCENT DEFOURNY, 51, doutor em comunicação, é representante da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil.
na Folha de S.Paulo
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