O desastre que se verificou em consequência da ação dos comandos israelenses contra a frota humanitária que se dirigia a Gaza não provocou apenas a indignação do mundo inteiro contra Israel, mas provocou dúvidas entre uma parte da própria população israelense. Salvo algumas exceções, os israelenses não discutem propriamente a intervenção dos soldados. O que criticam duramente é a maneira como os soldados agiram: amadorismo, falta de informações, perda da fleuma.
A grotesca ação dos comandos de Israel realmente espanta. O Exército israelense por muitas vezes provou ser o melhor do mundo.
Mas, no Líbano, há três anos, ele pecou pela confusão. Na Faixa de Gaza, em dezembro de 2008, pecou pela desumanidade. Na segunda-feira, diante de Gaza, seu erro foi a inépcia e a falta de sangue-frio. Responder a estilingues e bolas de gude com o fogo do inferno é, no mínimo, uma "falha técnica".
O Exército israelense mudou muito depois de seus tempos gloriosos. Foi uma mudança lenta, mas implacável, do seu recrutamento. O alto-comando sofreu uma enorme transformação; hoje está nas mãos dos religiosos. E o jornal israelense Haaretz forneceu dados impressionantes sobre essa tomada de poder pelos religiosos.
Em 1990, 2% dos oficiais militares eram religiosos. Hoje, eles representam 30%. Esse afluxo é sentido sobretudo no alto escalão: na brigada Golani, seis dos sete coronéis são religiosos. Na brigada Kfir, especializada em operações antiterroristas na Cisjordânia, sete tenentes-coronéis usam a quipá, emblema dos mais religiosos.
Há 20 anos, os oficiais do Exército vinham da esquerda (trabalhista) e dos kibutzim e eram principalmente ashkenazis (palavra que designa os judeus da Alemanha e do norte da Europa). Hoje, essas funções são ocupadas mais pelos sefarditas, originários não de Tel-Aviv, como outrora, mas de regiões pobres e meios conservadores, muitos vindos de colônias ultranacionalistas. E o Haaretz explica que, nessas colônias selvagens instaladas ilegalmente, os militares fornecem uma ajuda tácita aos colonos extremistas que residem ali.
Claro que essa guinada para o "religioso" dentro do Exército não explica absolutamente o erro crasso que foi o ataque, em águas internacionais, contra a frota da paz que se dirigia a Gaza. Mas prova que o Exército israelense não é mais aquele instrumento admirável, legalista, que atuava respeitando as regras internacionais e era o orgulho de Israel até a década de 90
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