Um telefonema do dirigente equatoriano Rafael Correa e uma nota da chancelaria venezuelana deram ao presidente eleito da Colômbia, Juan Manuel Santos, a base sobre a qual o sucessor e afilhado de Álvaro Uribe poderá normalizar as relações do país com os vizinhos bolivarianos, como prometeu durante a campanha. Ele obteve no segundo turno realizado domingo uma vitória consagradora. Recebeu 9 milhões de sufrágios - mais do que qualquer outro candidato ao governo nacional na história colombiana. Sete em cada 10 votantes marcaram o seu nome. O adversário Antanas Mockus, do Partido Verde, mal chegou aos 30%.
Equador e Colômbia estão praticamente rompidos desde março de 2008, quando Santos, então ministro da Defesa, ordenou um ataque aéreo a um acampamento das Farc, do lado equatoriano da fronteira entre os dois países. Mais do que depressa, Hugo Chávez mobilizou tropas e fechou a embaixada venezuelana em Bogotá. A hostilidade a Uribe chegou ao auge no ano passado quando ele autorizou a presença de militares americanos em bases colombianas de combate ao narcotráfico. O comércio entre os dois países despencou.
Na manhã seguinte ao pleito, Correa e Santos tiveram uma conversa "muy amable", no dizer do colombiano, sobre os passos a serem dados para a reconstrução das relações bilaterais. A rigor, a iniciativa de estender a mão foi de Santos. Na campanha, ele se comprometeu a entregar ao Equador cópias dos arquivos do computador do número dois das Farc, Raúl Reyes, morto no ataque. Pouco depois, Bogotá difundiu a versão de que os dados capturados indicavam que a narcoguerrilha tinha vínculos com os governos de Quito e Caracas.
Já a nota de felicitações do Ministério do Exterior da Venezuela contrasta com uma declaração de Chávez às vésperas do primeiro turno do pleito colombiano. O caudilho, bem ao seu estilo, disse que não receberia Santos jamais. Agora, a mensagem de Caracas representa um aceno contido. Afirma que a Venezuela estará "atenta" não apenas às manifestações do novo governo, mas às suas ações que possam levar a "relações de sinceridade e respeito". Vindas de quem vêm, essas palavras podem significar hoje uma coisa e amanhã o contrário. Do lado colombiano, de todo modo, não parece haver motivo para eternizar a animosidade com o vizinho.
Em comparação com o presidente que lhe transferirá o cargo em 7 de agosto, Santos é menos propenso a atitudes belicosas. Isso não o impediu de conduzir com invariável firmeza a política de "seguridad democrática" de Uribe, que tirou o gás das Farc e devolveu ao povo colombiano, em quase todo o país, o direito elementar de ir e vir sem o risco de sequestros e atentados. Também a criminalidade das quadrilhas da droga diminuiu acentuadamente, embora a Colômbia continue a ser o primeiro produtor mundial de cocaína. Esses avanços, associados a um crescimento econômico médio acima de 4% nos anos Uribe, premiaram o presidente com índices lulistas de popularidade.
Isso foi crucial para o triunfo de Santos, mas seria equivocado ver nele apenas a sombra do padrinho - ou crer que este continuará dando as cartas na Casa de Nariño. Por maior que seja a dívida do primeiro com o segundo e ainda que não devam mudar nem as linhas mestras da sólida política econômica do país, nem a determinação de perseverar no combate sem tréguas à narcoguerrilha, nada mais natural que Santos procure dar à sua gestão uma fisionomia própria. Tem condições para tanto - desde o fato de pertencer a uma tradicional família política (seu tio-avô foi presidente e seu primo é vice de Uribe) até a ampliação da maioria parlamentar governista que acompanhou a sua vitória.
Acrescida de novos parceiros, a base de Santos ocupará nada menos de 86% das 268 cadeiras da Câmara dos Deputados. O ponto de partida para a construção da identidade de seu governo é o apelo à "unidade nacional" em que tem insistido. Para isso, as urnas deram ao presidente eleito toda a legitimidade a que poderia aspirar.
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