Entrevista com René Dotti, jurista e professor da UFPR
Flávia Tavares, de O Estado de S. Paulo
Na tarde em que o jurista René Dotti dava essa entrevista, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se digladiavam sobre a decisão do caso Jader Barbalho e, consequentemente, da Lei Ficha Limpa. No Twitter, um dos tópicos mais comentados tratava da libertação de um homem acusado de 40 estupros no Rio, por conta da lei eleitoral que proíbe prisões cinco dias antes e até 48 horas depois do encerramento da votação. Afinal, a Justiça também esteve sob avaliação nesses meses de disputa eleitoral.
Para o presidente da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), há alguns aspectos da atuação da Justiça neste ano que merecem elogios, como a eficiência do processo de votação e de apuração. Outros, nem tanto. "Os valores das multas aplicadas, por exemplo, são insignificantes", afirma Dotti, ex-magistrado do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná e professor da pós-graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Que avaliação o sr. faz da atuação da Justiça nestas eleições?
Ela agiu com razoável eficiência. Em primeiro lugar, é importante destacar a serenidade do procedimento de colheita de votos e dos resultados. Em 1995, participei da comissão no Tribunal Superior Eleitoral em que o ministro Carlos Velloso anunciou que em 1996 teríamos as urnas eletrônicas. Desde então, não houve nenhum tipo de impugnação sobre os resultados das urnas. Isso é uma vitória.
Qual é o efeito disso?
Essa conquista dá uma credibilidade maior para a Justiça. De maneira geral, o cidadão não tem mais dúvida de que seu voto seja efetivamente contado. É importante ressaltar também a rapidez com que a Justiça eleitoral atuou em vários casos.
Mas há quem critique a demora na aplicação de multas a políticos que desrespeitaram as leis.
Sim, e os valores também são insignificantes, tanto para políticos e partidos quanto para o cidadão que decide não votar. Na medida em que se estabelece o dever de votar – e eu acho que o voto deveria ser facultativo –, deveria ser feito o máximo para se obter a fidelidade desses votos. Há uma frustração também muito grande porque o tribunal não estabeleceu restrições para que o presidente da República fizesse propaganda ostensiva. É necessário rever esses valores.
Por que isso ainda não foi feito?
Há um projeto tramitando no Senado, em forma de substitutivo (389), de 2005, em que há uma revisão dessas multas e a abordagem de novos tipos de crime, como os de informática. Mas há muita resistência em aprová-lo. O Congresso não estimula ou aprova leis que possam estabelecer responsabilidade parlamentar. Isso é uma lástima. Há também iniciativas para melhorar a fiscalização da prestação de contas dos candidatos e partidos, para evitar fraudes.
O STF protagonizou um episódio confuso, com as votações sobre a Lei Ficha Limpa. Como o senhor avalia esse caso?
A partir do momento que o STF declarou que a lei não é inconstitucional, essa matéria deveria ficar reservada somente ao Tribunal Superior Eleitoral. É uma matéria típica do tribunal, que já decidiu a esse respeito. Mas não sei avaliar por que o impasse foi criado.
Hoje (quarta-feira), chamou a atenção o caso de um homem acusado de mais de 40 estupros que foi libertado no Rio por conta da lei eleitoral. Esse seria um ponto de revisão também?
Essa lei faz sentido, por uma razão antiga, que é a perseguição política e as prisões arbitrárias. Mas entendo que já deveria haver outra solução. Principalmente agora que os presos provisórios – em flagrante ou preventivamente – já têm direito ao voto. Muita coisa se conquistou nesse terreno. Neste caso, poderia acontecer uma prisão preventiva do rapaz. Sou a favor de uma modificação, talvez uma análise mais caso a caso.
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